O projeto de Sheperd Doeleman — registrar a primeira imagem jamais feita de um buraco negro — não estava indo bem. Para começar, o telescópio vivia enchendo de neve.
Durante duas semanas, no final de março, o Volcan Sierra Negra, um vulcão extinto de 4.570 m, também conhecido como Tliltepetl, no sul do México, foi o centro nervoso do maior telescópio já concebido pela humanidade, uma rede de antenas que ia da Espanha ao Havaí, passando pelo Chile.
Conhecido como o Telescópio Event Horizon, seu trabalho seria ver o que até agora permanece invisível: um círculo primoroso, pequeno e escuro de nada, uma sombra minúscula no brilho da radiação do centro da Via Láctea. Para os astrônomos, ali se encontra um mega buraco negro, uma armadilha dentro da qual o equivalente a quatro milhões de sóis já desapareceram.
Se o Dr. Doeleman e seus colegas tiverem sucesso, as imagens registradas passarão a fazer parte dos livros de escola como prova definitiva da previsão mais esquisita de Einstein: a de que espaço-tempo podem se moldar, como a capa de um mágico, ao redor de objetos gigantescos e fazê-los desaparecer do universo. Em outras palavras, que os tais buracos negros — objetos tão densos que nem a luz escapa de suas garras — são reais e que as noções de tempo e espaço como conhecemos podem sumir bem debaixo do nosso nariz.
Ou, ao contrário, podem acabar produzindo evidências de que a Teoria da Relatividade de Einstein, a regra das regras do nosso universo, precisa ser corrigida desde que foi criada, há cem anos.
Em busca do horizonte de eventos
Os astrônomos hoje em dia concordam que o espaço está cheio de objetos grandes que não emitem luz nenhuma, muitos dos quais supostamente seriam restos de estrelas que se extinguiram, entraram em colapso ou implodiram.
Gerações de teóricos, incluindo Stephen Hawking, continuam imaginando, sem chegar a nenhuma conclusão unânime, o que acontece dentro de um buraco negro e com tudo o que cai ali dentro.
Praticamente toda galáxia parece ter um desses monstros sombrios, milhões ou até bilhões de vezes maior que o Sol, ocupando seu centro. Eles ficam ali, de boca aberta, e quando algo — uma estrela ou nuvem de gás mais voluntariosa —cai em sua direção, passa por um aquecimento de bilhões de graus enquanto gira em movimentos orbitais, em um disco de acreção, à volta do “ralo cósmico”. O buraco negro é um devorador negligente e, quando se alimenta, faz com que esses discos irradiem jatos de raios-X e energia eletromagnética. Os astrônomos acreditam que esse fenômeno é o que produz as energias dos quasares, faróis brilhantes no centro das galáxias que brilham muito mais que as “cidades” de estrelas em que habitam.
“O paradoxo é que, com isso, o buraco negro é um dos corpos mais brilhantes do universo”, constata o Dr. Doeleman, pesquisador de 48 anos do Observatório Hastack do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica.
O centro da Via Láctea, a 26 mil anos-luz daqui, coincide com uma fonte fraca de ruído de rádio chamada Sagitário A*. Os astrônomos que monitoram as órbitas das estrelas à volta do centro chegaram à conclusão, através de cálculos, que o que quer que esteja no centro possui uma massa equivalente a de quatro milhões de sóis, mas não emite nem luz visível, nem infravermelha.
Se isso não for um buraco negro, então ninguém sabe o que é.
“É a prova mais contundente até agora do horizonte de eventos”, afirma o Dr. Doeleman, referindo-se ao termo usado para descrever o limite teórico do buraco negro, o chamado ponto sem retorno.
O buraco negro de Sagitário, estando ali, apareceria como um círculo fantasmagórico escuro em meio à nuvem de ondas de rádio, dizem os teóricos; sua forma exata dependeria de detalhes como a velocidade de rotação do buraco, por exemplo.
A própria gravidade deve distorcer e aumentar sua imagem, resultando em uma sombra de cerca de 80 milhões de km de diâmetro, aparentando ser tão grande daqui quanto uma laranja na superfície da Lua. A prova estaria no fato de os astrônomos determinarem que a tal sombra, o cemitério de quatro milhões de sóis, é pequeno nessa proporção.
Em 2005, um grupo liderado por Shen Zhiqiang, do Observatório Astronômico de Xangai, reduziu o diâmetro do Sagitário A* a uma nuvem de energia com menos de 145 milhões de km, mais ou menos o dobro do tamanho da tão procurada sombra.
Entretanto, não havia como definir as medidas mais minuciosamente, uma vez que os elétrons e prótons ionizados no espaço interestelar espalharam as ondas de rádio em uma massa que obscurecia os detalhes da fonte. “É como tentar enxergar alguma coisa através do vidro fosco”, compara o Dr. Doeleman.
“Nosso buraco negro está ativo, mas se alimenta em uma dieta meio lenta e está cercado de um gás a uma temperatura de bilhões de graus. O resultado é que, no centro da Via Láctea, há uma ‘nuvem fofa’. É preciso estar na frequência certa para enxergar o centro galáctico através de todo esse entulho”, compara ele.
É aí que entra o Telescópio Event Horizon, que envolve vinte universidades, observatórios, institutos de pesquisa e agências governamentais, além de mais de cem cientistas.
Apontados para o mesmo lugar
O período de observação de março marcou a primeira vez que a equipe contou com equipamento suficiente — sete radiotelescópios em seis montanhas — para começar a ter esperanças de ver o buraco negro. Em um período de duas semanas, seriam cinco chances.
Toda noite eles torciam para ter dois em seu campo de visão: o Sagitário A* e um situado em uma galáxia gigantesca conhecida como M87, onde fica o superaglomerado de Virgem, a cerca de 50 milhões de anos-luz. Calcula-se que tenha seis bilhões de vezes a massa do Sol e, mesmo assim, daqui, apareceria só um pouco menor que o buraco negro da Via Láctea. Além disso, seu disco de acreção dispara jatos de energia que mais parecem um maçarico no espaço intergaláctico.
No fim de março, os colaboradores do Dr. Doeleman estavam acampados em condições (desconfortáveis) mais ou menos semelhantes nas montanhas do Chile, Havaí, Califórnia, Arizona e Espanha, esperando por um sinal, baseado nas previsões do tempo e no estado do equipamento, para começarem as observações. Todos os telescópios estavam apontados, ao mesmo tempo, para o centro da M87.
Se tudo der certo, todas as frentes de onda chegarão com marcas de interferência, ou seja, um padrão complexo de altos e baixos. Com a medição de um número suficiente dessas “franjas”, como são conhecidas no jargão astronômico, em diferentes partes do céu, a partir dos vários observatórios, os astrônomos poderão reconstruir um mapa do que estava acontecendo a milhões de anos-luz de distância.
E só saberão se o telescópio como um todo funcionou quando os dados registrados por cada instrumento forem correlacionados em um supercomputador no MIT, processo esse que levará meses.
O socorro da fita adesiva
O primeiro problema aconteceu quando o receptor do radiotelescópio no Chile parou de funcionar e teve que ser mandado para a Europa para ser consertado. Com isso, o equipamento mexicano ficou sobrecarregado.
Sierra Negra foi uma escolha natural como base da iniciativa, pois não só sua localização é central, como o Grande Telescópio Milimétrico, novo, com seu prato gigantesco desenhado para captar ondas curtas, é também o radiotelescópio mais sensível da rede. Concluído em 2006 pelo Instituto Nacional de Astrofísica, Óptica e Eletrônica, no estado de Puebla e na Universidade de Massachusetts, em Amherst, a um custo de US$116 milhões, é o maior e mais caro projeto científico do México.
Só que a neve continuava se acumulando no prato. E também teve o problema de um zumbido elétrico misterioso no receptor novo. Só os corpos mais fortes como Júpiter continuavam sendo ouvidos acima do barulho, que era mais alto que as fontes fracas como Sagitário A*, no centro da galáxia, ou seja, os astrônomos não tinham certeza se estavam gravando dados do alvo correto. O resultado foi que o telescópio mexicano teve que se tornar o posto oficial número um de observação.
As chances de o equipamento produzir uma imagem do buraco negro estavam por um fio — e se tornou uma corrida contra o tempo. Uma noite o telescópio mexicano ficou completamente bloqueado por causa do mau tempo.
O especialista no receptor, Gopal Narayanan, da Universidade de Massachusetts, desmontou a peça até descobrir que o ruído incômodo era produzido por vibrações mecânicas, que eliminou com fita adesiva. Aquela era a última chance oficial de os cientistas participarem do grupo do Telescópio Event Horizon.
O tempo continuava instável, mas subiram o Sierra Negra mesmo assim. O pessoal de lá passou metade da noite obedecendo à rotina de apontar o telescópio e anotando o código do computador do local. “É difícil descrever, mas esses problemas que exigem uma solução tipo tudo ou nada deixa a gente carregado na adrenalina”, confessa Laura Vertatschitsch, uma das pesquisadoras doutorandas do Dr. Doeleman.
A seguir, eles se conectaram com o Telescópio Event Horizon para valer — primeiro em Virgem e depois, em Sagitário, coletando dados até o amanhecer. Aquele foi o final oficial do período de observação do projeto que acabou se estendendo, com Califórnia, Arizona e México disponíveis para mais uma noite de trabalho — que foi a melhor de todas.
“O tempo melhorou e ficou melhor do que todo o período em que ficamos ali”, conta a Dr. Vertatschitsch.
E o receptor à base de fita adesiva do Dr. Narayanan conseguiu manobrar sozinho.
Sombra escura da eternidade
O resultado foram 200 terabytes de dados — mais ou menos o equivalente a todo o material impresso da Biblioteca do Congresso dos EUA — que agora se encontra no MIT.
Este ano, os astrônomos podem finalmente saber se a sombra escura da eternidade está rindo para nós através das nuvens de estrelas de Sagitário.
No final de abril, um e-mail foi enviado aos colaboradores do Event Horizon, carregado de gráficos, resultado das observações correlatas de uma noite entre duas montanhas, Sierra Negra e Mauna Kea, no Havaí.
Elas mostravam sinais impressionantes de um padrão de interferência. As franjas estavam ali.
Se os cientistas tiverem sorte, nos próximos meses poderão ver surgir nos computadores do MIT a primeira imagem aproximada de um buraco negro, cujo tamanho e formato poderão render uma análise sobre a relatividade geral, um século depois de Einstein ter elaborado a teoria.
O Dr. Doeleman se diz animado com a perspectiva de ver o interior do mecanismo que produz a monstruosa energia dos quasares.
“Poderemos ver um buraco negro agindo em tempo real. Impossível descrever algo mais fundamental que alguma coisa dançando na borda dele. Tomara que a gente possa ver algo extraordinário.”