Produzir heroína no laboratório é difícil e não deve substituir papoulas como essas, em Mianmar, tão cedo| Foto: Adam Dean /The New York Times

A papoula, planta da qual é extraído o ópio, cobre milhões de hectares no Afeganistão, Mianmar, Laos e outros países. Beneficiado, o suco leitoso se transforma em morfina, um analgésico que, ao ser refinado, pode virar heroína.

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Em breve, porém, o vegetal não será a única maneira de produzir a matéria-prima da droga; será possível criá-la em uma levedura geneticamente modificada para transformar açúcar em morfina. Praticamente todas as etapas já foram percorridas; a última foi publicada recentemente na revista científica Nature Chemical Biology.

“Todos os elementos estão alinhados, mas o processo precisa ser integrado antes que o fluxo de glucose passe a ser transformado em morfina”, diz Kenneth A. Oye, professor de Engenharia do MIT.

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O rápido progresso da biologia sintética gerou um debate sobre quando e como sua regulamentação deve ser feita. Segundo o comentário do Dr. Oye e outros especialistas para o jornal Nature, as autoridades não estão preparadas para controlar um processo que beneficiaria mais o comércio da heroína que o setor farmacêutico – e alegam que o mundo deveria tomar medidas para tomar a iniciativa, isolando as variedades de levedura e restringindo acesso ao DNA que permitiria aos cartéis reproduzi-las.

Outros cientistas afirmam que criar o espectro de uma heroína fermentada feito cerveja é “alarmista” e que as soluções propostas pelo Dr. Oye, exageradas. Eles dizem que, embora a produção de pequenas quantidades da substância seja possível, as leveduras são tão frágeis e o processo, tão delicado, que não é possível nem pensar em produzir quantidades de heroína para venda. Segundo eles, restringir a pesquisa do DNA limita as pesquisas e está destinada a não dar certo.

Nenhuma equipe científica admitiu ainda ter uma cepa capaz de realizar o processo de transformação do começo ao fim, mas várias estão experimentando – e o laboratório da Universidade Stanford, de Christina D. Smolke, é um dos líderes. Ela diz que espera uma publicação já para o ano que vem.

Ninguém do setor acha que deva haver regulamentação, mas a sugestão de que o “pessoal de casa” possa fazer heroína foi “alarmista” porque leveduras fermentadas por manipulação exigem “uma técnica muito especial”. “As implicações de uma pesquisa como a minha deveriam ser discutidas calmamente por quem entende do assunto”, acredita ela.

Para Robert H. Carlson, autor de “Biology Is Technology”, as restrições estão destinadas a fracassar.

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“A síntese de DNA já é uma tecnologia democrática e de baixo custo; se restringirem o acesso, vai se criar um mercado negro”, explica.

Considerado um dos últimos passos importantes ainda não foi dado, o desenvolvimento eficiente do precursor da morfina, a (S)-reticulina, na levedura Saccharomyces cerevisiae, foi publicado no Nature Chemical Biology por cientistas da Universidade da Califórnia em Berkeley e da Universidade Concordia do Canadá. O líder da equipe de Berkeley, John E. Dueber, disse que não tentou produzir morfina, mas sim 2.500 outros alcalóides dos quais a reticulina é a precursora, alguns dos quais podendo inclusive se tornar um antibiótico ou remédio para o tratamento do câncer.

Uma questão crucial é: a tecnologia está a serviço da indústria farmacêutica ou dos cartéis? Para o Dr. Oye, a resposta é a segunda opção. Os laboratórios estão sempre em busca de analgésicos que criem euforias menos viciantes ou não paralise os músculos — e ter um processo previsível que pudessem controlar seria útil, mas já possuem um fornecimento constante e barato de ópio da Índia, Turquia e Austrália, onde as papoulas são cultivadas legalmente por produtores licenciados.

Vai ser difícil interromper esse processo. Desde os anos 60, quando foi criado para convencer a Turquia a reprimir o consumo da heroína, o Conselho Internacional de Controle de Narcóticos define cotas. Assim, milhares de pequenos produtores, os bancos que os financiam e os fornecedores de equipamentos dependem das vendas — e contam com a influência política local.

As empresas farmacêuticas já sintetizam opiatos em seus laboratórios. O fentanil, analgésico cem vezes mais poderoso que a morfina, é sintético. Já quem vende heroína, tem que contrabandear a matéria-prima do Afeganistão, Laos, Mianmar ou México. O agente especial do FBI Edward You se disse feliz pelo fato de uma ameaça ter sido identificada antes que se tornasse uma realidade.

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“Se isso ocorrer em nível mundial, certamente a vida do FBI ficará infinitamente mais fácil”, conclui ele.