O universo de "Sin City", de Frank Miller, é preto e branco em quase todos os sentidos. Nessas populares "graphic novels"e em suas adaptações cinematográficas, o autor, ilustrador e cineasta Miller apresenta uma metrópole fictícia tão monocromática quanto seus valores: ruas comuns nas quais circulam homens de sobretudo e mulheres com trajes sumários, prontos para trocar balas ou fluidos corporais quando isso traz alguma vantagem.
"Sin City", que retorna às telas de cinema este mês em uma sequência em 3D, com o subtítulo "A Dama Fatal", é um tributo despudorado de Miller aos romances policiais noir clássicos que o fizeram ter uma carreira ininterrupta nos gibis e no cinema. Conforme ele disse recentemente, isso reflete sua paixão por "histórias baseadas no bem e no mal, porém com reviravoltas inesperadas nas quais alguém que parecia um canalha vira um herói na hora H".
Miller, 57, ficou famoso por seu estilo influente e muito imitado, assim como de artista iconoclasta que não se preocupa se seus gibis serão adorados ou detestados.
"Eu adoro provocar, pois a provocação é uma das finalidades da arte", disse ele. "E faz parte do meu trabalho chacoalhar as crenças das pessoas."
Ele estava conversando em seu estúdio de desenho em Manhattan, cercado por estatuetas e ilustrações de "Batman, O Cavaleiro das Trevas", seu romance gráfico de 1986 que bateu recordes de vendagem, sobre uma encarnação mais velha e impiedosa desse herói da DC Comics; e de Sin City, a série lançada pela Dark Horse Comics em 1991, que em 2005 se tornou um filme de grande sucesso dirigido por ele e Robert Rodriguez.
Miller teve seu quinhão de decepções e frustrações com Hollywood escrevendo dois roteiros para sequências do "RoboCop" original e sofrendo com o filme "Demolidor: O Homem Sem Medo", parcialmente baseado em seus gibis. Rodriguez disse que esperava que Miller estivesse apreensivo quando o procurou para realizar o primeiro "Sin City".
Todavia, "Sin City: A Cidade do Pecado", cujo elenco incluía Jessica Alba e Bruce Willis, foi elogiado pelos efeitos e fundos digitais que dão prova da apurada sensibilidade visual de Miller. O filme arrecadou mais de US$ 158 milhões no mundo.
"Se Robert e eu fôssemos astros de rock", brincou Miller, "ele seria Elvis Presley, e eu, Bob Dylan. Eu trabalho mais intimamente com os atores e ele cuida de toda a produção."
O currículo de Miller aumentou com o sucesso de "300", a adaptação cinematográfica dirigida por Zack Snyder em 2007 da obra de Miller em coautoria com sua ex-mulher, Lynn Varley, sobre a Batalha das Termópilas. Sua capacidade de narrar histórias parecia se disseminar para todos os lados, incluindo gibis de super-heróis famosos e franquias de filmes como a trilogia "O Cavaleiro das Trevas", de Christopher Nolan. "Quando crio uma personagem, eu a vejo apenas da minha maneira, sem considerar outros fatores", explicou ele. "Sou obrigado a manter meus mundos separados."
Nos últimos anos os gibis de Miller passaram a ser criticados por certos leitores que percebem um viés autoritário mensagens brutas sobre justiceiros confrontando sistemas totalitários.
Diana Schutz, editora na Dark Horse Comics que trabalhou com Miller, disse que foi arriscado produzir vários livros dele. "Ele tem uma ideia sobre algo, fica obcecado por ela e não se importa com as consequências."
Todavia, a paixão despertada pelo primeiro filme "Sin City" não assegurou imediatamente sua sequência. O longo intervalo entre ambos deu a oportunidade de recrutar novos membros para o elenco, como Josh Brolin, Eva Green e Joseph Gordon-Levitt, que atuam com Alba e Willis.
Miller, que acabou se rendendo ao formato 3D, fez o seguinte comentário: "Tenho a sensação de que há um milhão de espaçonaves no céu, um milhão de dinossauros na Terra e um milhão de baratas vindo simultaneamente na minha direção".
Em uma temporada cinematográfica repleta de filmes inspirados em gibis, Miller prefere não fazer previsões sobre como a sequência de "Sin City" será recebida pelo público. "Não sou um especialista em cultura, e sim um cara que conta lorotas", disse ele.
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