"Primum non nocere", ou "Primeiro, não fazer mal" deveria ser o princípio orientador de trabalhadores de saúde. E nas sociedades civis, ao menos, o fato de não prejudicar os outros é considerado uma responsabilidade moral, ética e legal de cada indivíduo.

CARREGANDO :)

O debate sobre a responsabilidade de profissionais de saúde que trataram de pacientes com ebola de ir às compras, jogar boliche ou sair em um cruzeiro antes do final do período de 21 dias de incubação da doença gera uma pergunta mais abrangente: qual é o dever de todos na prevenção da transmissão de doenças infecciosas?

É ético ir à academia quando você está resfriado ou embarcar em um avião com um problema de estômago?

Publicidade

Quando se trata de "não fazer mal", o problema é definir danos e riscos, bem como quais seriam medidas razoáveis de se impor a alguém para minimizar esse risco."O risco envolve duas coisas — a probabilidade de que o mal será feito e a sua gravidade, caso ele ocorra", disse Lawrence O. Gostin, professor de Direito na Universidade de Georgetown, emWashington.

Quanto mais grave for o mal em potencial, disse ele, menor a probabilidade, ou risco, que estaremos dispostos a assumir — muito menos permitir que outra pessoa assuma a responsabilidade em nosso nome.

No caso do ebola, mesmo que o risco de transmissão seja baixo, bioeticistas e especialistas em leis de saúde tendem a concordar que compete aos indivíduos expostos fazer o que for razoavelmente possível para minimizar esse risco durante o período de incubação da doença, porque o que está em jogo (uma morte horrível) é muito sério.

"Portanto, faça uma caminhada, ande de bicicleta, mas não aperte a mão ou toque outras pessoas. Acho errado e pouco ético tomar um navio ou pegar um avião", disse Gostin.

Mas, de fato, ele continuou, essa é sua obrigação ética sempre que você estiver com febre, vomitando ou espirrando por causa de uma doença infecciosa. A julgar pelo grande número de voos cancelados ou adiados durante as últimas semanas graças a passageiros visivelmente doentes que provocaram falsos alarmes de ebola, "não fazer mal" não é um imperativo ético para muitos viajantes.

Publicidade

"Acabei de ir de Washington, D.C. para Tel Aviv e tive que cuidar de seis passageiros doentes — três deles com vômito e febre", disse o Dr. Gil Siegal, cirurgião e professor de Direito na Universidade de Virgínia. "As pessoas nem sempre são racionais", disse ele, quer estejam avaliando seu próprio risco de ficar doente, ou o risco de deixar outra pessoa doente.

Irracionalidades opostas talvez expliquem a indignação na mídia social gerada pela enfermeira Kaci Hickox, do Maine, que resistiu à quarentena quando retornou da África Ocidental.

A situação remete à oposição estridente às leis aprovadas recentemente em Rhode Island e New York que exigem que profissionais de saúde tomem vacina contra a gripe ou usem máscaras ao tratar de pacientes durante a temporada de gripe. Os índices de vacinação entre os trabalhadores de saúde americanos chegam a uma média de apenas 45 por cento, e a gripe mata 36 mil pessoas por ano.

Parte do problema é cultural, disse Noel T. Brewer da Universidade da Carolina do Norte. Os americanos tendem a pensar mais no indivíduo do que no direito comunitário. Eles também valorizam a capacidade de superar adversidades físicas sem avaliar como podem enfraquecer outros membros da equipe.

Em contraste com muitos países asiáticos, onde é comum ver pessoas usando máscaras cirúrgicas em público. Os americanos tendem a assumir que isto é para evitar que o portador da máscara fique doente.

Publicidade

Mas na verdade é mais frequentemente o contrário: quem a usa está doente e a máscara serve não só para impedir a transmissão de germes para outros, mas também para alertar as pessoas que o portador está doente e certa distância deve ser mantida.

"Os EUA estão tão focados no individualismo e na autonomia que nos esquecemos de que temos responsabilidades éticas maiores para com nossa família, nossa comunidade e nosso país. Essa mentalidade ‘primeiro eu’ é que promove a irresponsabilidade quando se trata de saúde pública", disse Gostin.