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Karen Farrow e a filha de três anos, Imogen, no banco de alimentos | Andrew Testa para The New York Times
Karen Farrow e a filha de três anos, Imogen, no banco de alimentos| Foto: Andrew Testa para The New York Times
  • Uma instituição destinada a ajudar países pobres agora socorre britânicos carentes

Para os colegas da creche, Charlotte Burton é uma mulher independente que trabalha em tempo integral e vive bem.

E a admiram por ir para o trabalho de bicicleta nesta época do ano, quando o vento gelado castiga a cidade e o rio Hull está inchado pela água das chuvas.

Apenas sua mãe sabe que a moça de 34 anos, solteira, usa a bicicleta porque não tem condições de pagar os US$4,75 da passagem do ônibus, que se encolhe debaixo do cobertor à noite para economizar com o aquecimento e recentemente começou a depender do banco de alimentos porque, quando chegava ao fim do mês, tinha que comer uma vez só por dia — geralmente massa ou pão.

"Eu vivia com fome", confessou ela, na própria cozinha. Com as despesas mensais —aluguel, gás, eletricidade, impostos, a prestação da TV e da dívida com o proprietário do imóvel — sobram apenas US$100 para a comida.

Os trabalhadores pobres, que há muito fazem parte do cenário social dos EUA, estão se tornando mais comuns do outro lado do Atlântico — e conforme os números crescem, a fome também aumenta. No Reino Unido, os cinco anos de medidas de austeridade e aumentos de preços deixaram sua marca: o valor da hora média trabalhada subiu míseros sete por cento; o do custo de vida, quase vinte, forçando pelo menos 500 mil pessoas a depender dos bancos alimentares, três vezes mais que um ano atrás, de acordo com a instituição de caridade cristã Trussell Trust. A organização também informa que o número de pessoas que alimenta subiu vinte vezes desde 2008.

Os bancos alimentares distribuem itens de primeira necessidade de graça ou a uma fração do preço real para as pessoas indicadas pelas agências sociais do governo.

A carência parece ser mais grave na região norte pós-industrialização. Hull já foi um centro importante de pesca e porto movimentado; hoje, tem o maior número de pessoas recebendo seguro-desemprego do país. Mais de trinta por cento de suas crianças vive abaixo da linha da pobreza.

O banco a que Charlotte vai recebe suprimentos de uma instituição que há quatro anos enviava alimentos apenas para países em desenvolvimento como Serra Leoa; hoje, 80 por cento de seu trabalho é no próprio Reino Unido. "Nunca sonhei que teria que assistir meu próprio país, minha cidade", conta Colin Raine, um dos fundadores da Real Aid.

A situação começou a mudar em 2007, quando as fortes chuvas alagaram milhares de casas na região de Hull e a instituição se prontificou a prestar ajuda temporária. "Foi um choque entrar na casa das pessoas e ver as condições em que algumas viviam", confessa

Lindsay Killick, gerente de armazenamento de Raine.

Ele mencionou uma mulher que vive em um apartamento totalmente vazio com a filha porque teve que vender a mobília para pôr comida na mesa. "Levamos um sofá velho para elas e a menina disse: ‘Olha, mamãe, não vamos precisar dormir no chão hoje’", relata.

A Real Aid administra seu próprio banco de alimentos na vizinha Bridlington, um balneário decadente. Setenta e cinco por cento das pessoas que recorrem à sua ajuda trabalham, explica Killick. Na manhã de uma sexta, uma fila começou a se formar do lado de fora da pequena sala no andar superior de uma galeria. Ali era possível pagar US$2,50 por itens que no supermercado custam mais de US$30. O pagamento é simbólico, claro, mas faz toda a diferença.

"Fica com menos jeito de caridade", diz Karen Farrow, de 24 anos, que estava acompanhada da filha de três anos, Imogen.

Era a sua primeira vez. Empregada temporária, Farrow fica desempregada entre novembro e março. Há duas semanas seu companheiro a deixou.

Ela deu entrada no pedido de auxílio de renda, mas o processo ainda não foi finalizado. Enquanto isso, "não tem nada na geladeira".

A economia britânica deve crescer 2,4 por cento este ano. O nível do desemprego caiu para 7,4 por cento no país, o mais baixo desde 2009, mas a quase quinze, permanece teimosamente alto em Hull.

Jennifer Scales, de 66 anos, o frequenta toda semana desde junho para pegar comida para a filha, Lindsey, mãe solteira que trabalha em uma autarquia pública. Há pouco tempo recebeu o primeiro aumento de salário em cinco anos, mas que ainda não a permite passar o mês.

"Sempre achei que se trabalhasse muito, melhoraria de vida. Hoje vejo que não é assim", diz ela.

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