Para os colegas da creche, Charlotte Burton é uma mulher independente que trabalha em tempo integral e vive bem.
E a admiram por ir para o trabalho de bicicleta nesta época do ano, quando o vento gelado castiga a cidade e o rio Hull está inchado pela água das chuvas.
Apenas sua mãe sabe que a moça de 34 anos, solteira, usa a bicicleta porque não tem condições de pagar os US$4,75 da passagem do ônibus, que se encolhe debaixo do cobertor à noite para economizar com o aquecimento e recentemente começou a depender do banco de alimentos porque, quando chegava ao fim do mês, tinha que comer uma vez só por dia geralmente massa ou pão.
"Eu vivia com fome", confessou ela, na própria cozinha. Com as despesas mensais aluguel, gás, eletricidade, impostos, a prestação da TV e da dívida com o proprietário do imóvel sobram apenas US$100 para a comida.
Os trabalhadores pobres, que há muito fazem parte do cenário social dos EUA, estão se tornando mais comuns do outro lado do Atlântico e conforme os números crescem, a fome também aumenta. No Reino Unido, os cinco anos de medidas de austeridade e aumentos de preços deixaram sua marca: o valor da hora média trabalhada subiu míseros sete por cento; o do custo de vida, quase vinte, forçando pelo menos 500 mil pessoas a depender dos bancos alimentares, três vezes mais que um ano atrás, de acordo com a instituição de caridade cristã Trussell Trust. A organização também informa que o número de pessoas que alimenta subiu vinte vezes desde 2008.
Os bancos alimentares distribuem itens de primeira necessidade de graça ou a uma fração do preço real para as pessoas indicadas pelas agências sociais do governo.
A carência parece ser mais grave na região norte pós-industrialização. Hull já foi um centro importante de pesca e porto movimentado; hoje, tem o maior número de pessoas recebendo seguro-desemprego do país. Mais de trinta por cento de suas crianças vive abaixo da linha da pobreza.
O banco a que Charlotte vai recebe suprimentos de uma instituição que há quatro anos enviava alimentos apenas para países em desenvolvimento como Serra Leoa; hoje, 80 por cento de seu trabalho é no próprio Reino Unido. "Nunca sonhei que teria que assistir meu próprio país, minha cidade", conta Colin Raine, um dos fundadores da Real Aid.
A situação começou a mudar em 2007, quando as fortes chuvas alagaram milhares de casas na região de Hull e a instituição se prontificou a prestar ajuda temporária. "Foi um choque entrar na casa das pessoas e ver as condições em que algumas viviam", confessa
Lindsay Killick, gerente de armazenamento de Raine.
Ele mencionou uma mulher que vive em um apartamento totalmente vazio com a filha porque teve que vender a mobília para pôr comida na mesa. "Levamos um sofá velho para elas e a menina disse: Olha, mamãe, não vamos precisar dormir no chão hoje", relata.
A Real Aid administra seu próprio banco de alimentos na vizinha Bridlington, um balneário decadente. Setenta e cinco por cento das pessoas que recorrem à sua ajuda trabalham, explica Killick. Na manhã de uma sexta, uma fila começou a se formar do lado de fora da pequena sala no andar superior de uma galeria. Ali era possível pagar US$2,50 por itens que no supermercado custam mais de US$30. O pagamento é simbólico, claro, mas faz toda a diferença.
"Fica com menos jeito de caridade", diz Karen Farrow, de 24 anos, que estava acompanhada da filha de três anos, Imogen.
Era a sua primeira vez. Empregada temporária, Farrow fica desempregada entre novembro e março. Há duas semanas seu companheiro a deixou.
Ela deu entrada no pedido de auxílio de renda, mas o processo ainda não foi finalizado. Enquanto isso, "não tem nada na geladeira".
A economia britânica deve crescer 2,4 por cento este ano. O nível do desemprego caiu para 7,4 por cento no país, o mais baixo desde 2009, mas a quase quinze, permanece teimosamente alto em Hull.
Jennifer Scales, de 66 anos, o frequenta toda semana desde junho para pegar comida para a filha, Lindsey, mãe solteira que trabalha em uma autarquia pública. Há pouco tempo recebeu o primeiro aumento de salário em cinco anos, mas que ainda não a permite passar o mês.
"Sempre achei que se trabalhasse muito, melhoraria de vida. Hoje vejo que não é assim", diz ela.
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