Em um porão escuro nos arredores de Cabul, Josef lê a Bíblia à luz de um lampião de propano como vem fazendo há semanas, desde que fugiu de sua família no Paquistão.
Suas poucas posses estão ali ao lado: uma cruz de madeira, um maço de cigarros e uma pasta fina de plástico contendo os registros de sua conversão ao cristianismo.
Ele se esconde para salvar a vida. A lei afegã protege a liberdade de religião, mas a realidade aqui e em outros países muçulmanos é que renunciar ao Islã é um crime capital.
O cunhado do Josef, Ibrahim, chegou recentemente a Cabul, deixando para trás sua família no Paquistão para caçar o apóstata e matá-lo. Falando por telefone, Ibrahim, usando apenas seu primeiro nome, ofereceu US$20 mil a um repórter para que este lhe revelasse o esconderijo de Josef.
"Depois de encontrá-lo e acabar com ele, vou matar seu filho também, porque é um bastardo", disse Ibrahim, referindo-se ao filho de 3 anos de Josef. "Ele não tem um pai muçulmano".
Os poucos afegãos que praticam o cristianismo o fazem às escondidas por medo de perseguição. Aqueles que se convertem são forçados a se retratar, e caso se recusem, são expulsos, geralmente para a Índia.
Para Josef, de 32 anos, o caminho para o cristianismo foi apenas parte de um ano em que vagou pela Turquia, Grécia, Itália e Alemanha, buscando refúgio da violência do Afeganistão.
Ele foi detido na Grécia, deportado da Alemanha e viveu nas ruas na Itália até que entendeu que não haveria final feliz na Europa, onde seu pedido de asilo não dera em nada. Deixou a Itália e foi para o Paquistão encontrar sua esposa e filho, mas isso já não é mais uma opção. Nem voltar para o Islã.
"Herdei minha fé, mas vi coisas que me fizeram abandonar minhas crenças religiosas", Josef disse. "Mesmo que eu morra, não volto para o islamismo".
Josef disse que a maioria dos seus irmãos emigrou para a Alemanha quando ele era adolescente, mas ficou para trás para cuidar de seus pais. Em 2009, testemunhou um tiroteio e a morte de um garoto de 8 anos de idade nos braços da mãe, e isso acabou com sua determinação de ficar.
Pagou um contrabandista para levá-lo à Europa. Deixou para trás sua mãe, que morreu logo depois, e sua esposa grávida, que se mudou para o Paquistão para ficar com a família.
Suas memórias da viagem são flashes de alegria intensa e desespero: a cidade de Istambul, a cerca na fronteira entre Grécia e Turquia, um campo de girassóis, três dias nauseantes em um barco para a Itália e a desolada rua em Hamburgo, onde seus irmãos foram buscá-lo.
Em Hanover, Josef encontrou uma igreja protestante para falantes do farsi.
"Quando abandonei minhas crenças islâmicas, eu vivia um vazio espiritual", disse. "Naquela época, estudava diferentes religiões".
Após 15 dias na Alemanha, pediu asilo e foi mantido em um campo de refugiados visitado por missionários. Ao sair de lá, converteu-se.
As autoridades alemãs deportaram-no para a Itália, pois segundo a lei, é necessário solicitar asilo no país da União Europeia em que primeiro se chega.
Sem abrigo e sem dinheiro, deprimido e adoentado, Josef desistiu de tudo e voltou para viver com sua esposa e a família no Paquistão.
Quando os parentes descobriram sua conversão, lhe deram uma surra. "Queríamos matá-lo", disse Ibrahim.
Josef escapou e pegou um ônibus para o Afeganistão. No caminho, ligou para um amigo pedindo ajuda.
"Ele sempre foi generoso comigo", disse o amigo. "Agora ele está em perigo e precisa de mim, não tenho escolha. Tenho que ajudá-lo".
Para Josef, que recentemente mudou de esconderijo, o tempo passa devagar. Ele ouve o muezim chamando os muçulmanos para a oração, um lembrete da proximidade do perigo.
"Quando abandonei minhas convicções, era difícil falar sobre o assunto", disse. "Era como uma prisão imaginária". Fez uma pausa e, em seguida, acrescentou: "Agora é o contrário", disse por fim. "Meu corpo está preso, mas minha alma é livre".
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