Cortinas verdes tampavam o sol, protegendo a sala onde membros de uma milícia curda síria e seus walkie-talkies anotavam coordenadas de GPS.
Talal Raman, combatente curdo de 36 anos, usava um tablet da Samsung e examinava um mapa do Google Earth marcado com as posições dos prédios de apartamento abandonados e vilarejos destruídos onde seus companheiros lutavam contra integrantes do Estado Islâmico, próximo desta cidade no norte da Síria.
A posição onde seus homens se escondiam atrás de um muro foi marcada em amarelo, e as coordenadas de um prédio ao lado de uma mesquita onde combatentes do EI se refugiaram estavam destacadas em vermelho.
“Nossos companheiros podem ver o inimigo se movendo no endereço GPS que acabei de mandar para você”, ele escreveu em árabe para um operador a centenas de quilômetros de distância, em uma sala de operações militares americana. Então, ele esperou que os aviões dos EUA aparecessem.
O ataque que ocorreu logo em seguida abriu uma cratera exatamente nas coordenadas fornecidas pelo soldado curdo. Ele deixou um círculo de corpos, incluindo o de um combatente do EI que morreu abraçado a seu AK-47. Uma mensagem urgente veio da sala de coalizão: “Por favor, confirme que nossos companheiros estão ok”.
A coordenação entre a força aérea americana e a milícia, conhecida como o YPG, das iniciais em curdo para Unidades de Proteção Popular, causou grandes baixas para o Estado Islâmico em uma grande área ao norte da Síria, perto da fronteira com a Turquia, nos últimos meses.
Agora, a campanha aérea dos Estados Unidos está pronta para se expandir, com o auxílio de um acordo com a Turquia que permite que aviões americanos, com bases mais próximas da fronteira, iniciem suas missões de bombardeios.
Mesmo assim, em um momento em que a milícia, a aliada mais eficaz dos americanos na Síria, deveria estar comemorando a ampliação dessa ajuda, seus membros começam a demonstrar certa preocupação. Isso porque os turcos fazem alguns movimentos próprios.
No mês passado, a Turquia não respondeu a pedidos para apoiar a luta contra o EI, consciente de que isso poderia fortalecer ainda mais as ambições curdas de formar um Estado independente. Os curdos, aproximadamente 30 milhões espalhados por Turquia, Iraque, Irã e Síria, são descritos como o maior grupo étnico do mundo sem uma pátria.
Ao conquistar áreas do Estado Islâmico, a milícia curda rapidamente expandiu seu território no norte da Síria em mais de um terço, controlando agora quase 29 mil quilômetros quadrados. Do outro lado da fronteira, autoridades turcas veem as conquistas curdas com apreensão.
Então, quando a Turquia concordou em participar da luta contra o EI, imediatamente começou a bombardear os acampamentos nas montanhas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK, um grupo rebelde na Turquia e no Iraque aliado ao YPG.
O acordo turco com os Estados Unidos configura uma zona de bombardeio “livre do EI” ao longo de uma faixa de 90 quilômetros da região de fronteira que inclui outro detalhe: a pedido da Turquia, essa também é explicitamente uma zona livre da milícia curda, mas os curdos avançam em direção a área para iniciar combates contra o Estado Islâmico.
Apesar de cooperar com as forças americanas durante meses, os curdos sírios agora começam a se preocupar que seu sucesso pode não sobrepor a importância da Turquia para os Estados Unidos.
“Há somente um grupo combatendo consistente e eficazmente o EI na Síria: o YPG”, disse Redur Khalil, um porta-voz da milícia que diz que hoje conta com mais 35 mil soldados, aproximadamente 11 anos após começar a atuar na defesa de uma única cidade. “Abrir outra frente na região — agora que a Turquia atacou o PKK — irá enfraquecer as forças que enfrentam o EI, o que por sua vez fortalecerá o EI.”
Oficiais americanos precisaram ter muito cuidado ao cooperar com milícias curdas na Síria por causa de suas ligações com o PKK, que é visto como um grupo terrorista.
Cale Salih, do Conselho Europeu de Relações Exteriores e autor de numerosos artigos sobre a questão dos curdos, resumiu o problema com a Turquia desta forma: “Se o preçoreço a pagar for a relação com um dos poucos parceiros efetivos na Síria, parece que não há muito sentido. É uma situação absurda onde um combatente do PKK, que é chamado de “terrorista” se estiver no Iraque ou na Turquia, mas quando o mesmo indivíduo cruza a fronteira para a Síria passa a ‘trabalhar com a coalizão na batalha contra o Estado Islâmico’”.
Colaborou Anne Barnard e Eric Schmitt