Batalhões islâmicos, compostos na maioria por tchetchenos, inimigos de morte da Rússia, se uniram à Ucrânia na luta contra os separatistas. Tchetchenos na cidade de Lysychansk| Foto: Olya Engalycheva/Associated Press

Com roupas camufladas, uma barba grisalha sobre o peito e um facão de caça na cinta, a aparência do homem era assustadora no restaurante quase vazio. Os garçons se embolavam todos perto da cozinha e, por mais que tentasse, o sujeito que se autodenominava “Muçulmano”, um antigo guerrilheiro tchetcheno, não consegui atrair sua atenção para pedir mais chá.

CARREGANDO :)

Até para os ucranianos, embrutecidos por mais de um ano de guerra contra os separatistas pró-Rússia, o surgimento dos combatentes islâmicos, na maioria tchetchenos, nas cidades perto do fronte, é uma surpresa — aliás, muito bem-vinda para muitos deles.

“Gostamos de lutar contra a Rússia”, disse o homem, recusando-se a dar seu verdadeiro nome.

Publicidade

Entre as cerca de trinta unidades voluntárias de combate no leste da Ucrânia, ele comanda um dos três batalhões islâmicos que são usados nas zonas mais difíceis ou violentas, motivo pelo qual permanecia ali. O conflito está se intensificando na periferia de Mariupol, porto estratégico e centro industrial. Segundo monitores da Organização para Segurança e Cooperação na Europa, chegam carregamentos constantes de equipamentos militares russos nos trens que param ao norte da cidade.

Antecipando um ataque nos próximos meses, os ucranianos estão felizes de contar com toda a ajuda que puderem obter. Afinal, em sua opinião, estão em desvantagem porque os governos ocidentais se recusam a fornecer às forças do governo o tipo de apoio militar que os rebeldes recebem da Rússia. O Exército, corrupto e carente de recursos, é praticamente inepto – e é por isso que a população apoia qualquer ajuda, até dos militantes islâmicos da Tchetchênia.

Os comandantes ucranianos temem que os grupos separatistas capturem as estradas de acesso para Mariupol e lancem um cerco à cidade; para evitar isso, passou a depender de diversas milícias islâmicas e de extrema-direita para sua defesa.

O antigo guerrilheiro tchetcheno comanda o grupo Sheikh Mansur, subordinado ao Setor Direito, uma milícia ucraniana. Nem um, nem outro estão incorporados formalmente à polícia ou ao Exército e as autoridades do país se recusam a dizer quantos tchetchenos estão combatendo no leste da Ucrânia. E nenhum deles recebe qualquer tipo de pagamento.

Tirando o inimigo, esses grupos não têm muita coisa em comum com os ucranianos.

Publicidade
Isa Musayev, no centro, ajudou a fundar os batalhões tchetchenos que lutam na Ucrânia. Ele teria sido morto em fevereiro 

Para tentar desenvolver as habilidades das forças ucranianas comuns e reduzir a dependência de Kiev dos paramilitares pseudolegais, os EUA estão treinando a Guarda Nacional ucraniana.

Ao longo do fronte, a cerca de 10 km para o leste, os membros dos batalhões circulam em carros civis, exibindo fuzis AK-47 nas janelas, enquanto os soldados tradicionais se mantêm na linha secundária das trincheiras defensivas.

Os tchetchenos, pelo que se diz, são guerreiros valorosos. Os comandantes ucranianos elogiam sua habilidade como sentinelas e atiradores e afirmam que eles não têm pudores de patrulhar e brigar até em terra de ninguém. Seus gritos de “Allahu akbar”, ou “Deus é grande”, apavoram os russos.

Para os ucranianos, a decisão de abrir o fronte, discretamente, a figuras como o Tchetcheno, atraiu homens durões e experientes para o seu lado. Ele, por exemplo, viveu na França e fundou os batalhões de conterrâneos no ano passado, com Isa Musayev, que vivia na Dinamarca.

Publicidade

Esse, segundo o Tchetcheno, recebera sinal verde de membros do alto escalão do governo ucraniano, “mas não havia documentos, nada foi escrito”, acrescentando que Musayev foi morto em combate em fevereiro.

Embora religiosos, acredita-se que os grupos tchetchenos no leste da Ucrânia sejam de uma vertente mais nacionalista do movimento separatista, pelo menos segundo Ekaterina Sikorianskaia, especialista na república que trabalhava para o Grupo Internacional de Crises.

Nem todo mundo está convencido. As autoridades francesas, sempre vigilantes em relação ao extremismo islâmico nas comunidades de imigrantes, detiveram dois membros do batalhão Sheikh Mansur este ano sob a acusação de pertencerem ao Estado Islâmico, conta o Tchetcheno. E nega que fossem ligados ao grupo extremista.

“A Europa inteira está tremendo de medo dos russos. É bom para o continente ter a gente lutando aqui como voluntários; pena que nem todo mundo entenda isso”, conclui ele.