Imagine um mundo de repente desprovido de portas onde as autoridades dizem: "Se você não estiver fazendo nada de errado, não tem com que se preocupar". Pois essa basicamente é a situação da Internet. Não há privacidade.
Por outro lado, há cada vez mais pessoas conscientes de que seus dados on-line podem ser usados contra si mesmas: elas sabem que podem não conseguir um emprego, um financiamento ou um encontro por causa de um tuíte indiscreto. Menos óbvio, porém, é o peso psíquico. "Com todo o foco da discussão nos aspectos legais da privacidade e seu impacto no comércio global, pouco se fala no porquê de as pessoas a quererem e de ela ser tão importante em termos individuais", diz Adam Joinson, da Universidade da Inglaterra Ocidental em Bristol.
Talvez isso ocorra porque não há unanimidade em relação ao que se constitui como "informação privada". Ela varia entre culturas, sexos e indivíduos. Além disso, é difícil exaltar o valor da privacidade quando todo mundo parece tão disposto a compartilhar detalhes da vida pessoal.
Entretanto, o histórico de privacidade está ligado à questão de status, ou seja, quem perdeu a liberdade por comportamento criminoso ou problemas de saúde, as crianças e os mais pobres gozam menos de suas benesses que os honestos, os saudáveis, os maduros e mais abastados. "A implicação óbvia é a de que se você não tem é porque ou não fez por merecer, ou não tem capacidade, nem é de confiança", resume Christena Nippert-Eng, do Instituto de Tecnologia de Illinois em Chicago.
Por isso, não é surpresa que a pesquisa sobre privacidade, tanto no ambiente de rede como fora dele, mostra que só a percepção de ser observado resulta em sentimentos de baixa autoestima, depressão e ansiedade. Seja observada por um supervisor no trabalho ou pelos amigos no Facebook, a pessoa tende a se adequar e demonstrar menos individualidade. O desempenho das tarefas acaba comprometido e ela apresenta índices elevados de hormônios do estresse.
Um estudo de três anos feito na Alemanha e concluído em 2012 mostra que quanto mais o indivíduo revelava sobre si nas redes sociais, mais privacidade ele desejava. Para a principal autora, Sabine Trepte, da Universidade de Hohenheim em Stuttgart, o paradoxo indica a insatisfação do participante com o que recebe em troca do fornecimento de tantas informações sobre si mesmo.
"É um mau negócio porque o que recebem geralmente é suporte informativo como, por exemplo, uma sugestão de restaurante; nunca é o tipo de apoio emocional e instrumental que leva ao bem-estar, como um ombro para chorar." E, no entanto, continuam participando porque temem ser deixadas de lado ou consideradas desconectadas, desengajadas ou fracassadas e assim o ciclo continua.
O problema é que se você revelar tudo a seu respeito ou suas informações puderem ser descobertas com uma busca no Google, pode ser desconsiderado pelo excesso de exposição e falta de intimidade o que nos leva de volta à teoria de penetração social, uma das mais citadas para justificar a conexão humana. Desenvolvida por Irwin Altman e Dalmas Taylor, nos anos 70, o conceito afirma que as relações se desenvolvem através de revelações gradativas e mútuas de informações pessoais cada vez mais importantes.
"Construir e manter um relacionamento é um processo de regulação da privacidade. É uma questão de expandir e reduzir seus limites para manter a identidade individual, mas também demonstrar união em relação ao outro", define Altman,
No entanto, os pesquisadores dizem ver sinais de retrocesso: as pessoas estão começando a se tornar mais reservadas on-line ou a lançar mão de táticas para frustrar os caçadores de dados. Tais atitudes de desafio como não curtir nada no Facebook ou não seguir ninguém no Twitter fazem com que seus perfis sejam mais difíceis de rastrear.
O professor Nippert-Eng diz: "Quando a pessoa quer privacidade, geralmente dá a ideia de que está escondendo alguma coisa escusa quando, na verdade, é porque simplesmente não gosta de se expor".