Numa Venezuela cruelmente polarizada, atolada em uma economia desastrosa e varrida pela violência criminal, a cultura do beisebol costuma ser um alegre refúgio de civilidade, união e tolerância.

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Mas, agora, até mesmo essa ponte sobre o abismo sectário parece estar desmoronando.

Há poucas semanas, o time Seattle Mariners anunciou a decisão de transferir da Venezuela para a República Dominicana a sua academia de verão para jogadores profissionais.

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As quatro academias restantes no país sul-americano —das equipes Philadelphia Phillies, Detroit Tigers, Tampa Bay Rays e Chicago Cubs— devem ter o mesmo destino no começo do ano que vem. Para os torcedores de beisebol venezuelanos, isso é um desastre nacional.

Ir a um jogo de beisebol na Venezuela não é o mesmo que fazer um passeio relaxante no parque.

Trata-se de um ritual estridente, onde todas as classes sociais e inclinações políticas se misturam, num dos poucos terrenos neutros que restam no país.

A Liga Venezuelana de Verão, circuito voltado apenas para profissionais estreantes, foi criada em 1997 por vários times da liga principal dos EUA interessados em aproveitar os talentos locais.

Em 2002, 21 academias estavam em funcionamento, com resultados impressionantes: em 1994, apenas 19 venezuelanos atuavam como profissionais do beisebol nos EUA. Em 2010, esse número havia saltado para 90.

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Hoje, 120 anos depois da primeira partida realizada num pátio ferroviário de Caracas, os venezuelanos se orgulham de terem 102 compatriotas treinando na pré-temporada dos EUA.

Hugo Chávez, muito antes de se tornar “El Comandante”, empenhou-se —como tantos meninos venezuelanos carentes— em se tornar um grande arremessador e assim escapar da pobreza.

Apesar de muitas vezes ter usado o jargão do beisebol para animar seus seguidores em longas arengas, sua revolução bolivariana cogitou —por um curto período— abolir o beisebol profissional, como fez Fidel Castro (outro jogador frustrado) em 1960 em Cuba.

A ensurdecedora reação dos grupos militantes da base chavista deu cabo dessa ideia.

Em 2008, dez anos após o início da era Chávez e num cenário de insegurança e de desconcertantes controles cambais, a equipe Houston Astros, que havia chegado ao país em 1989, desativou suas instalações e se mudou para a República Dominicana.

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As demais equipes gradualmente começaram a enxugar as academias. Os crescentes gastos com segurança, para evitar os muitos assaltos à mão armada, eram uma das inúmeras preocupações das equipes.

A desativação dessas academias priva jovens venezuelanos carentes e talentosos de terem acesso a oportunidades.

Apesar de ser muito improvável chegar a uma grande liga profissional, o potencial de recompensa é enorme.

O salário mínimo na liga dos EUA é de US$ 480 mil por ano, e a média é de US$ 3,2 milhões.

A situação da segurança pública deteriorou-se fortemente; a Venezuela teve no ano passado a segunda maior taxa de homicídios no mundo. Muitos astros venezuelanos bem remunerados, como o catcher (receptor) Wilson Ramos, do Washington Nationals, que foi sequestrado em 2011 e escapou da morte durante uma operação de resgate aéreo, se mudaram para os Estados Unidos.

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Em fevereiro, em meio a crescentes tensões entre Caracas e Washington, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, ordenou a expulsão da maioria dos diplomatas americanos do país.

Cidadãos dos EUA que viajarem para a Venezuela agora precisarão de vistos, e a medida leva os torcedores locais a temerem que os jogadores dos EUA evitem o nosso campeonato de inverno, há 70 anos um importante espaço para o treinamento de profissionais.

Sem os “importados”, como são carinhosamente chamados os atletas profissionais americanos, o nosso campeonato de inverno perderia muito do seu brilho.

A história do beisebol na Venezuela não tem nada a ver com as muitas intervenções militares americanas na América Latina.

No início da década de 1890, os filhos da elite venezuelana, retornando de estudos no exterior, introduziram o jogo no que era então um país pobre e devastado por febres tropicais, intermináveis guerras civis e tiranos cruéis. Exilados cubanos em Caracas também desempenharam um papel importante no desenvolvimento do beisebol venezuelano.

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Nemesio Guilló, um cubano rico enviado por seus pais ao Alabama em 1858 para estudar na Faculdade Springhill, é apontado como a primeira pessoa a trazer um taco e uma bola de beisebol a Cuba, em 1864, enquanto a Guerra Civil dos EUA ainda estava em curso e os cubanos permaneciam submetidos ao rei da Espanha.

As autoridades coloniais espanholas logo proibiram o jogo, por considerá-lo subversivo, mas jovens cubanos independentes preferiam mesmo o beisebol às touradas —e à monarquia da Espanha.

Da mesma forma, venezuelanos de todas as classes sociais encontraram no beisebol um exemplo convincente de modernidade, igualdade e liberdade. Como ocorreu em muitos países do Caribe, o beisebol se tornou parte da cultura popular venezuelana, tanto quanto nos EUA.

Podemos apenas imaginar como seria o cenário político hemisférico atual se, em vez de se tornar um autocrata delirante que desperdiçou a vasta riqueza petrolífera de seu país, Hugo Chávez tivesse realizado seu sonho adolescente de jogar num grande time de beisebol.

Ibsen Martínez, venezuelano, é dramaturgo e escritor. Seu mais recente romance é “Simpatía por King Kong”.

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