Petit, viens” (“venha cá, garotinho”), gritou o soldado francês num posto de controle em Bangui, capital da República Centro-Africana.
Durante cinco meses, meninos foram forçados a fazer sexo oral em um número desconhecido de militares da França, segundo depoimentos colhidos pela ONU.
Os garotos, com idades entre 9 a 15 anos, disseram que às vezes eram atraídos com a promessa de receber comida.
Quase um ano depois de as acusações surgirem, ninguém sofreu acusações formais nem foi punido.
O caso ilustra um problema permanente nas operações internacionais de paz: como as forças estrangeiras podem ser responsabilizadas quando, em vez de protegerem civis em zonas de conflito, lhes fazem mal?
Independentemente de as forças de paz servirem às Nações Unidas ou estarem sob os seus próprios comandos nacionais —como no caso das forças francesas em Bangui—, cabe aos países de origem dos soldados investigar e processar esses casos.
A ONU não possui autoridade jurídica para processar e punir soldados.
A França anunciou uma investigação oficial sobre as acusações.
No entanto, em muitos casos, os países não respondem a consultas da sede da ONU sobre como —ou mesmo se— investigam seus soldados no exterior, segundo uma recente auditoria interna obtida pelo “The New York Times”.
Quando os países chegam a punir seus militares, as sanções variam amplamente.
A auditoria constatou que, de todas as acusações de abuso sexual apresentadas entre 2008 e 2013 contra o pessoal da ONU, tanto militares como civis, cerca de um terço envolvia crianças.
No entanto, há uma longa lista de fatores que contribuem para a impunidade, segundo constatou a auditoria: as investigações emperram na burocracia, os comandantes não são responsabilizados pelo que acontece em suas fileiras e a forma mais comum de punição está em devolver os soldados aos seus países de origem e proibi-los de servir em missões futuras.
A auditoria, realizada pelo Departamento de Supervisão Interna, descobriu que, apesar da promessa da ONU de tolerância zero contra abusos e exploração sexual por parte dos soldados das forças de paz, a aplicação efetiva “é dificultada por uma estrutura complexa, atrasos prolongados, resultados variáveis e desconhecidos e uma assistência seriamente deficiente”.
Funcionários da ONU apontam sinais de melhora. As denúncias de abuso sexual envolvendo as forças de paz diminuíram, dizem. No entanto, eles admitem que a subnotificação é um problema.
Eles argumentam que os países que contribuem com soldados estão melhorando no que diz respeito a responsabilizar os culpados e a informar a ONU sobre isso.
O abuso sexual por forças de paz não atinge apenas as missões da ONU. A ONG de direitos humanos Human Rights Watch compilou um relatório sobre casos de estupro e exploração sexual cometidos em 2012 e 2013 por forças da União Africana na Somália.
A UA investigou as acusações, prometendo tolerância zero, mas disse que não poderia fundamentar a maioria dos casos, porque os soldados acusados já haviam voltado aos seus países.
No caso da República Centro-Africana, autoridades francesas e da ONU se culpam mutuamente pela demora na investigação.
De acordo com os depoimentos das crianças, os supostos abusos começaram em dezembro de 2013.
Em maio de 2014, o departamento de direitos humanos da ONU nomeou um funcionário em Bangui para ouvir as crianças.
Em meados de julho, o relatório foi submetido a um diretor de operações de campo da ONU, que afirmou ter informado seu chefe sobre as conclusões e entregado o relatório a diplomatas franceses.
Porém, só em 28 de março deste ano a ONU enviou uma cópia oficial do seu inquérito de Bangui ao governo da França.
Nesse mesmo mês, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, recomendou celeridade nas investigações, a criação de um fundo de apoio às vítimas e a execração pública de países que não informam como investigam e punem seus militares. “Tolerância zero [contra abusos sexuais]”, disse Ban, deve significar colaborar com os governos “para garantir que os infratores sejam responsabilizados por medidas financeiras, disciplinares e/ou de responsabilização penal”.
Dois meses depois, a história dos soldados franceses na República Centro-Africana veio à tona.