As montanhas que cruzam a Turquia e o Iraque marcam há muito tempo a linha de frente na batalha entre o governo turco e os separatistas curdos, onde ataques transfronteiriços já causaram muitas mortes em ambos os lados.
Embora a aproximação tenha acalmado a fronteira, teme-se que a estabilidade possa estar correndo um risco ainda maior. O problema não é a guerra, mas o comércio. Os curdos iraquianos estão vendendo petróleo e gás natural diretamente para a Turquia, enfurecendo Washington e o governo central em Bagdá, que teme que a independência petrolífera leve os curdos a declararem uma independência ampla, dividindo a nação.
Porém, um ano e meio de medidas diplomáticas lideradas pelos EUA para impedir a venda não foi o suficiente. Caminhões viajam todos os dias da região curda para duas cidades turcas na costa do mediterrâneo. Além disso, enquanto os curdos continuam a fornecer petróleo para a Turquia por meio de um oleoduto, os envolvidos planejam construir um segundo duto.
"O Curdistão lida com a Turquia em franca violação à Constituição Iraquiana, uma vez que eles não firmaram o acordo em coordenação com o governo central", afirmou Ali Dhari, vice-diretor do comitê de gás e petróleo do parlamento iraquiano. "Isso representa um assalto às riquezas iraquianas e não iremos permitir que isso continue a acontecer."
Os acordos petrolíferos com a Turquia, avaliados em bilhões de dólares, fazem parte de um esforço mais amplo dos curdos iraquianos nos últimos anos para firmar os próprios acordos energéticos, deixando de lado o governo central. Os curdos e os turcos afirmam que irão pagar a parcela justa a Bagdá. Porém, as autoridades afirmam há muito tempo que esses acordos são ilegais.
A incapacidade do governo iraquiano de aprovar uma lei nacional em relação ao petróleo, uma das metas estabelecidas pelo presidente George W. Bush quando anunciou o aumento da presença das tropas americanas em 2007, deixou Bagdá e Erbil, a capital curda, brigando pela divisão dos lucros e sobre quem tem autoridade para fazer acordos com companhias petrolíferas.
Qasim Mishkhati, membro curdo do comitê de gás e petróleo do parlamento, insistiu que os ganhos com o acordo seriam divididos. "O Curdistão está trabalhando para aumentar o faturamento nacional, para que todos os iraquianos possam tirar proveito de melhores serviços e de uma riqueza maior ", afirmou.
Os turcos e os curdos sempre indicaram que iriam aceitar as proporções existentes para a divisão da receita nacional, o que significa que Bagdá receberia 83 por cento do lucro bruto e os curdos poderiam ficar com os 17 por cento restantes.
Mas o temor em Bagdá e Washington aumentou com os novos acordos, que parecem fazer parte de uma estratégia dos curdos iraquianos para seguir o caminho que muitos especialistas acreditam levar a um único fim: a criação de um estado curdo independente.
Dezenas de milhões de curdos vivem no Iraque, na Turquia, na Síria e no Irã, e sonham há muito tempo com a independência. Agora, em meio aos conflitos do Oriente Médio, os líderes curdos estão dando passos decisivos para realizar essas ambições.
Os curdos iraquianos possuem sua própria região autônoma e próspera no norte do Iraque, controlam os próprios portos de entrada, têm exército, serviço de inteligência e programa de política internacional próprios. A região curda também possui regras diferentes para a emissão de vistos.
Além disso, a região serviu de porto seguro para autoridades sunitas que tentavam fugir das garras do governo xiita, incluindo o ex-vice-presidente Tariq al-Hashimi, acusado de terrorismo em 2011.
Os acordos petrolíferos também destacam o novo rosto das alianças regionais nos últimos anos. Em 2003, a Turquia, temendo que a invasão americana no Iraque pudesse promover a independência curda, proibiu os americanos de usarem seu território como porta de entrada para o Iraque.
Mas agora a Turquia está fazendo as pazes com os curdos do país, que abriram mão de uma insurgência contra o Estado turco que já durava três décadas, a partir do Iraque.
A Turquia contava com a Rússia e com o Irã para fornecer a maior parte de sua energia e a prioridade nacional era diversificar as fontes de petróleo e gás natural. No país, encher o tanque de um carro compacto pode custar mais de 120 dólares, em função dos impostos que o governo aplicou em uma iniciativa para limitar a demanda. Autoridades turcas e iraquianas se reaproximaram, no que parece ser a melhor aposta de acordo.
Duraid Adnan contribuiu com a reportagem em Bagdá, e Sebnem Arsu, em Istambul
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura