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 | Michael Kirby Smith/The New York Times
| Foto: Michael Kirby Smith/The New York Times

Os tumores tinham desfigurado o rosto de AshLeigh McHale, 17, e se espalhado pelos seus órgãos.

Uma assistente social então a visitou em seu quarto, no Instituto Nacional de Saúde, em Bethesda, Maryland.

Ela e AshLeigh tiveram uma conversa que, para a maioria dos adolescentes, seria inconcebível. A assistente social queria saber: se a morte se aproximasse e AshLeigh não conseguisse mais falar, o que ela gostaria que seus entes queridos soubessem?

Karly Koch, 20, e sua mãe, Tammy, analisam suas opções; jovens exprimem seus desejos antes que não consigam mais se manifestar.
Michael Kirby Smith
The New York Times

Ela mostrou à paciente um guia de planejamento que ajuda pacientes jovens e criticamente doentes a expressarem suas preferências para seus últimos dias de vida —e para depois da morte.

Se visitas chegassem quando AshLeigh estivesse dormindo, ela queria ser acordada? Queria ser mantida viva por aparelhos? E os detalhes do funeral? Quem deveria herdar seu computador? E a guarda de seu cãozinho Bandit?

Quando morreu, em julho, AshLeigh estava em casa, como tinha pedido. Seguindo suas instruções, ela foi vestida para o enterro com seu jeans favorito, botas de vaqueira e a camisa branca que tinha ganhado no Natal. Mais tarde, ainda de acordo com suas instruções, a família comeu milho verde e fajitas de carne no jantar.

“Não sei o que eu teria feito se tivesse tido que tomar essas decisões eu mesma, na hora de nossa tristeza extrema”, comentou sua mãe, Ronda McHale. “Mas ela cuidou de tudo isso. Apesar de ter chegado ao ponto de não conseguir mais falar, AshLeigh se fez ouvir.”

A campanha nacional para que os pacientes terminais expressem seus desejos antes que estejam doentes demais para conseguirem se manifestar é voltada principalmente a pessoas mais velhas. Recentemente, porém, adolescentes e jovens também vêm sendo consultados, para que tenham voz nessas decisões. “Os adolescentes têm competência para discutir esse assunto”, explicou Pamela S. Hinds, colaboradora de pediatria no relatório de 2014 “Dying in America” (Morrer na América), do Instituto de Medicina, organização sem fins lucrativos.

“Eles preferem estar envolvidos, e esse envolvimento não os prejudica.”

Não existem estimativas concretas quanto ao número de jovens que enfrentam doenças que colocam suas vidas em risco. Câncer, doenças cardíacas e deformidades congênitas são responsáveis por 11% das mortes de adolescentes nos EUA, cerca de 1.700 por ano.

“Se você é um dos jovens para quem essa questão é importante, ou se é pai ou mãe de um deles, essa é uma oportunidade importante”, disse Chris Feudtner, pediatra de cuidados paliativos e especialista em ética médica no Hospital Infantil de Filadélfia.

A inclusão dos jovens, no entanto, encontra resistência. Muitos médicos não foram ensinados a falar desses temas com adolescentes. Até recentemente, a maioria das equipes médicas pensava que adolescentes não conseguiriam compreender as implicações do planejamento para o fim da vida e que esse tipo de discussão poderia ser psicologicamente prejudicial a eles.

Às vezes, quando médicos ou clínicas tentam iniciar a discussão, os pais ou pacientes mudam de assunto, temendo que, por aceitarem discutir, estão indicando que perderam a esperança de uma recuperação.

Contudo, evitar essas discussões pode exacerbar o medo do adolescente e seu senso de isolamento. Numa pesquisa sobre atitudes em relação ao fim da vida feita em 2012 com adolescentes soropositivos, 56% dos entrevistados disseram que não poder falar de suas preferências era “pior que a morte”.

Num estudo de 2013, adolescentes e seus pais disseram que essas discussões lhes trouxeram tranquilidade emocional.

Para Feudtner, os jovens pacientes podem indicar o atendimento médico que desejam. Sua inclusão na discussão reconhece um fato terrível que pacientes e familiares se esforçam para esconder: a probabilidade da morte.

“Quando o assunto é discutido, as pessoas podem se unir, em vez de ficar isoladas”, disse Feudtner. Falar de temas íntimos é trazer à tona os “os lados mais assustadores da condição humana —a mortalidade e a dor—, mas também o amor, a amizade e a união.”

A estudante universitária Karly Koch, de Muncie, Indiana, já foi tratada por muitas enfermidades graves, como um linfoma em estágio quatro, todas ligadas a uma desordem imunológica genética rara. Sua irmã mais velha, Kelsey, morreu aos 22 anos pelo mesmo problema.

No ano passado, Karly, então com 19 anos, apresentou falência cardíaca congestiva. Suas artérias renais estavam 90% bloqueadas. Enquanto ela estava numa UTI do Instituto Nacional de Saúde, um psicoterapeuta que trabalha com a família há anos procurou sua mãe, Tammy, com um novo guia de planejamento.

“Já tínhamos enterrado uma filha e tivemos que adivinhar o que ela queria. Por isso, queríamos que Karly fosse ouvida”, disse Tammy.

Como Karly reagiu? “Disse que não estávamos lhe dizendo algo que ela já não soubesse”, contou sua mãe.

O guia usado por Karly Koch e AshLeigh McHale é intitulado “Voicing My Choices” (Exprimindo minhas escolhas). É o primeiro guia criado para (e em boa parte por) pacientes adolescentes e jovens adultos. Segundo a assistente social Lori Wiener, principal participante da pesquisa que resultou no guia, a intenção foi criar uma maneira para os pacientes jovens “fazerem escolhas sobre o que nutre, protege e afirma o que lhes resta de vida e como desejam ser lembrados”.

Desde que foi lançado, há dois anos, mais de 20 mil cópias do guia foram encomendadas por famílias e centros médicos da organização sem fins lucrativos Aging With Dignity (Envelhecer com Dignidade), que o publica. “Voicing My Choices” foi traduzido ao espanhol, italiano, francês e eslovaco.

Usando linguagem simples e direta, o guia oferece aos pacientes jovens alternativas para decisões médicas como o controle da dor.

Outras seções tratam de conforto, alimentos favoritos, música.

O guia pergunta aos pacientes: “O que lhe dá força ou alegria? Você quer ser perdoado por alguma coisa?”

Uma lista começa: “Estas são as coisas importantes a saber sobre mim”. AshLeigh escreveu nessa parte: “Curto diversões, sou corajosa, inteligente e meio maluca”.

Oferecendo aos pacientes jovens a oportunidade de escrever cartas de despedida, doar seu corpo para pesquisas médicas e criar rituais para que sejam lembrados após a morte, o guia de planejamento mitiga um de seus maiores medos: que eles são jovens demais para deixarem um legado importante.

Não existem regras quanto a quando e como apresentar o planejamento do fim da vida a um adolescente criticamente doente.

O mais frequente é que os médicos adiem a discussão até tarde demais. A psiquiatra Maryland Pao, do Instituto Nacional de Saúde Mental, recordou o desespero de uma mãe cujo filho estava morrendo e não conseguia mais falar.

“Não faço ideia do que ele quer”, a mãe lhe disse. “Ele tem 17 anos, mas nunca falamos sobre esse assunto.”

Em julho do ano passado, Karly Koch recebeu um transplante experimental de medula óssea. A família diz que esse dia foi a data de seu “reaniversário”. Tomando 12 medicamentos por dia e usando máscara cirúrgica, Karly voltou a andar nas ruas de Muncie. Ela está estudando para ser fisioterapeuta. Sente grande prazer nas atividades de “gente normal”.

Seus pais guardaram sua cópia de “Voicing My Choices” no armário do quarto.

“Não é deprimente ler o que escrevi no guia”, disse Karly. “Expressar o que a gente sente faz bem. Hoje, lendo o que escrevi, acho que eu gostaria de acrescentar algumas coisas.”

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