Foi só quando entrou na Universidade da Cidade do Cabo, bastião da luta contra o apartheid, que Ramabina Mahapa se tornou verdadeiramente consciente de sua raça.
Aos 23 anos, o rapaz cresceu em um vilarejo onde havia apenas negros e se formou como o primeiro aluno da classe – mas quando foi para a faculdade, o abismo entre brancos e negros lhe ficou bem claro: das quinze pessoas que tinham carro em seu dormitório, só uma era negra. Quando saíram as notas das primeiras provas, viu que os alunos negros tiraram as mais baixas.
“Foi por isso que comecei a me sentir negro”, disse Mahapa, que nasceu dois anos antes do fim do apartheid e agora está no terceiro ano de Psicologia e Filosofia, além de ser presidente do grêmio estudantil.
Um dia, de repente, ele se viu do lado de fora da sede que os manifestantes tinham ocupado, em uma série de manifestações que fizeram do campus liberal um dos maiores símbolos de mudança na África do Sul pós-apartheid. Os números, em um país em que 80 por cento da população é negra, são espantosos: eles compõem menos de um quarto do corpo estudantil e apenas cinco por cento do corpo docente.
Os protestos que sacudiram o campus da universidade pública de maior prestígio do país por enquanto se aquietaram, mas se espalharam por outras instituições que sofrem os mesmos problemas.
A ação dos alunos chama a atenção para a insatisfação nacional muito mais ampla com o “ritmo glacial” das transformações, como é chamada a política nacional de direitos iguais de representação.
Na África do Sul de hoje, os brancos retêm um poder desproporcional sobre a economia e outros setores importantes, como a educação – e o consenso geral é o de que as transformações beneficiaram somente um pequeno número de negros com fortes conexões políticas.
A reivindicação dos manifestantes é a “descolonização” da universidade. Eles pedem mais professores negros, medidas contínuas para aumentar o número de alunos negros e um currículo menos eurocêntrico.
Malegapuru William Makgoba, que preside o comitê de supervisão da transformação do governo para os cursos superiores e já foi reitor da Universidade de KwaZulu Natal, diz que os professores e funcionários brancos mais antigos, que continuam a ter a palavra final na contratação, promoção e criação do currículo, resistem às mudanças. Segundo ele, mesmo uma geração após o fim do apartheid, em 1994, os sul-africanos brancos querem continuar moldando os futuros líderes da nação.
Os protestos daqui – e os de outras regiões do país – começaram graças a um ato de rebeldia, no mínimo, peculiar.
Em março, um aluno jogou excremento na estátua de Cecil Rhodes, o construtor e empresário britânico que doou o terreno da universidade.
“A reação contra a escultura foi resultado da alienação que os alunos negros sentem – e, por sinal, foi um veículo perfeito para articular isso. A cultura do lugar é branca. A arquitetura é europeia, no melhor estilo Oxbridge. Obviamente o idioma usado nas aulas é o inglês. O ideal do que se considera uma ‘universidade excelente’, que produz uma ‘ciência excelente’, aquela que copiamos e a qual aspiramos, é a das universidades da Ivy League norte-americana e as instituições do Velho Mundo”, admite o vice-reitor, Max Price.
Entretanto, ele também aponta sinais de progresso desde o fim do apartheid: o número de alunos de outros países africanos aumentou drasticamente, destacando os laços cada vez mais fortes da universidade com o resto do continente. A porcentagem de sul-africanos negros também aumentou, passando de 18 por cento em 1994 para 24 por cento no ano passado.
“A única área em que a universidade falhou completamente foi a de contratação de mais professores negros. Os sul-africanos negros talentosos não pendem para o setor acadêmico, mas geralmente são atraídos para o funcionalismo público e/ou o setor privado”, completa.
Os alunos protestadores realizaram seu primeiro objetivo quando a universidade retirou a estátua de Rhodes – mas alguns dias depois a comunidade acordou para ver o que parecia sua sombra, ainda ali, pintada no chão.
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