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Aluguel enterra passado de Barcelona

Ao alto, El Indio, uma fábrica de tecidos fundada em 1870 | Fotografias de Guillem Valle para The New York Times
Ao alto, El Indio, uma fábrica de tecidos fundada em 1870 (Foto: Fotografias de Guillem Valle para The New York Times)
Xavier Banchs é o dono da loja Palacio del Juguete (Palácio do Brinquedo), fundada por sua família em 1936. Ele a transferiu para um depósito quando o aluguel do imóvel passou de €1 mil para €35 mil, com o fim do controle de aluguéis |

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Xavier Banchs é o dono da loja Palacio del Juguete (Palácio do Brinquedo), fundada por sua família em 1936. Ele a transferiu para um depósito quando o aluguel do imóvel passou de €1 mil para €35 mil, com o fim do controle de aluguéis

Uma livraria histórica no centro da Cidade Velha de Barcelona está sendo convertida em loja da Mango, a gigante rede varejista de roupas. Uma fábrica de pentes fundada em 1922 deu lugar a uma loja de bolsas de grife. E onde antes ficava uma loja de brinquedos que pertencia à mesma família desde a Guerra Civil espanhola, agora se vê uma loja de calçados italianos Geox.

As mudanças são mais que simples resultado da espécie de aburguesamento paulatino que vem mudando a cara de tantas cidades pelo mundo afora. Em Barcelona e em toda a Espanha, bairros históricos estão sendo transformados. Dezenas de milhares de lojas pequenas, em muitos casos familiares, enfrentam este ano o fim de décadas de aluguéis controlados.

Os estabelecimentos tiveram 20 anos de aviso prévio, mas agora, finalmente, estão resistindo, no momento em que lojas pequenas são expulsas dos bairros históricos por uma enxurrada de grifes internacionais que têm condições de absorver os aumentos enormes dos aluguéis.

A troca acelerada de locatários está gerando questionamentos sobre até onde Barcelona deve ir para proteger seu caráter singular e fazer frente à homogeneização.

A expulsão de lojas tradicionais do centro velho da cidade, conhecido como Bairro Gótico, é "uma perda criminosa de patrimônio cultural em uma cidade que está sendo inundada por dinheiro grande e grifes internacionais, perdendo todo senso de história, ordem e planejamento urbano correto", opinou Josep Maria Roig, proprietário da confeitaria La Colmena, fundada em 1872.

Roig estima que outras cem lojas vão fechar em Barcelona este ano porque seus proprietários não têm como pagar os aluguéis mais altos. De acordo com o sindicato dos lojistas independentes, em toda a Espanha cerca de 200 mil lojistas podem ser afetados.

Xavier Banchs, o dono da loja de brinquedos no Bairro Gótico, pagava € 1.000 por mês pelo aluguel do imóvel ocupado por sua loja, o Palacio del Juguete (Palácio do Brinquedo), pertencente à sua família desde 1936, o ano em que começou a Guerra Civil.

Ele entregou o imóvel à Geox, que, segundo ele, está pagando € 35 mil mensais pelo imóvel. Hoje Banchs aluga um antigo espaço de depósito, pagando € 800 por mês.

Muitos comerciantes fecharam acordos semelhantes, mas um número importante deles optou por fazer resistência às mudanças, pedindo que a Prefeitura de Barcelona lhes conceda proteção. Os pedidos estão sendo analisados.

Os controles de aluguel foram adotados na Espanha em 1964, durante a ditadura de Franco, quando o regime decidiu proteger lojistas. Em 1994 a lei foi revista pelo governo socialista para assegurar que, com o tempo, os aluguéis fossem reajustados para valores de mercado. A revisão deu aos lojistas e aos donos dos imóveis o prazo de 20 anos para acordarem valores novos. "Houve 20 anos para resolver o problema, mas a improvisação de última hora é um traço do caráter latino", disse Raimond Blasi, vereador de Barcelona que se ocupa do comércio.

Roig moveu uma ação contra a prefeitura recentemente por não ter protegido adequadamente um prédio que abrigava a loja de selos Monge, que fechou em agosto. O novo proprietário pretende converter o imóvel numa galeria comercial, transpor a histórica fachada de madeira para o outro lado do prédio e substituí-la por uma entrada maior.

"Será que queremos que os turistas levem para casa apenas suvenires comprados numa galeria comercial, fabricados na China e que têm zero a ver com Barcelona?" Roig perguntou.

Roig salvou sua confeitaria porque assinou com o proprietário do prédio um novo contrato de aluguel, válido por 15 anos, aumentando o aluguel de € 1.000 para € 7.500 mensais. Ele disse que o proprietário tinha recebido ofertas melhores, mas foi persuadido a deixar a La Colmena sobreviver.

A chegada dos novos aluguéis é acompanhada por uma discussão ampla em Barcelona sobre o tipo de turismo que a cidade suporta. Barcelona tornou-se o maior destino turístico da Espanha, atraindo um recorde de 7,5 milhões de visitantes no ano passado.

A provável candidata à prefeitura Ada Colau comentou que ela e sua família deixaram de ir ao Bairro Gótico porque a área foi invadida por turistas estrangeiros e marcas globais.

"A principal atração de Barcelona é um certo modo de vida, mas estamos deixando que ele dê lugar a algo que eu chamaria de um modelo fast food", disse Colau.

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