Ele estava faminto, foi interrogado e apanhou durante dias em uma sala gelada onde dormir, sentar e mesmo encostar na parede era proibido. Uma surra deixou Wang Guanglong, funcionário público de nível médio da província de Fujian, na China, parcialmente surdo, de acordo com seu testemunho posterior. O suicídio parecia tentador, ele contou a seus advogados.
Por fim, disse, acabou aceitando um acordo: assinou uma confissão reconhecendo que tinha aceito $27.000 em subornos, erroneamente acreditando que seria libertado sob fiança e poderia limpar seu nome de um crime que diz nunca ter cometido.
"Ele fez o que mandaram para salvar sua própria vida", disse sua irmã, Wang Xiuyun.
A China está no meio de uma campanha contra a corrupção no governo, que já prendeu mais de 50 funcionários de alto escalão e milhares de burocratas como parte do esforço do presidente Xi Jinping para restaurar a confiança pública no Partido Comunista. Mas quem apoia essa blitz ignora um paradoxo fundamental da campanha, dizem os críticos: travada em nome da lei, muitas vezes ela opera além da lei em um reino secreto de agências do partido.
Juristas e advogados que representaram funcionários acusados disseram que defendê-los foi especialmente difícil, pois o sistema judicial é rigidamente controlado pelo partido.
O maior desafio, eles disseram, é quando o funcionário acusado está sob a custódia de investigadores do partido e desaparece por um longo período, durante o qual os interrogadores buscam extrair confissões, muitas vezes através de tortura.
"Os cidadãos são privados de seus direitos fundamentais", disse Mao Lixin, advogado que representou Wang.
Mas, mesmo depois que um caso sai das mãos dos investigadores do partido e entra no sistema de justiça criminal, o acesso às provas, às testemunhas e a seus clientes é limitado, informam os advogados. E acrescentam que os julgamentos são muitas vezes feitos às pressas e ignoram alegações de coação e tortura feitas pelos acusados. Vereditos de culpa raramente são postos em dúvida. Dos 8.110 funcionários que receberam vereditos relativos a acusações de suborno e extorsão no primeiro semestre deste ano, apenas 14 réus foram liberados.
"Há muitos casos de sentenças injustas e falsas," disse Shen Zhigeng, advogado de defesa que representou dezenas de funcionários do governo. "O que as pessoas comuns mais odeiam não é a corrupção, é o abuso da lei".
Wang, de 51 anos, foi condenado em novembro a 10 anos de prisão em um julgamento baseado grande parte em sua confissão.
"Acreditamos que na realidade ainda vivemos em um sistema antigo que não passou por nenhuma mudança fundamental", disse Li Xiaolin, advogado que, por um tempo, representou Bo Xilai, antigo membro do Politburo que cumpre prisão perpétua acusado de corrupção.
Muitos advogados revisaram o caso de Zhou Yongkang, antigo chefe da segurança interna que é acusado de violar a disciplina do partido, que funciona como um teste para verificar se os líderes estão verdadeiramente comprometidos com a reforma legal. Poucos acreditam que os procedimentos sigam normas internacionais. Analistas creem que Zhou será considerado culpado em um julgamento coreografado para dar a impressão de processo legal.
Wang Qishan, que supervisiona a agência anticorrupção, afirmou que as investigações precisam aderir ao "estado de direito", e que os casos devem ser passados às autoridades legais de forma mais rápida. Em agosto, ele disse que a campanha pode levar anos, dado os arraigados hábitos de corrupção. "É como parar de fumar e beber," ele disse. "Dá para parar largar esses vícios de modo simples?"
Até agora, Xi e Wang acumularam detenções e prisões que superaram mesmo as expectativas mais ousadas desde quando assumiram seus postos em 2012. No primeiro semestre deste ano, o partido puniu cerca de 84.000 membros por causa de problemas disciplinares, e as penas variam do rebaixamento à expulsão do partido, de acordo com estatísticas oficiais.
"O partido e o destino do país estão em nossas mãos, e devemos arcar com essa responsabilidade", disse Xi, de acordo com um jornal do partido em agosto.
Mas seu grito de guerra ainda tem que conquistar muitos advogados chineses, que dizem que sem uma mudança sistêmica a campanha está fadada ao insucesso e a corrupção desenfreada acabará retornando.
Tomando emprestada a metáfora de Xi, tantas vezes repetida, que diz que é preciso combater "tigres e moscas" na tentativa de acabar com a corrupção, Li, o advogado que representou Bo Xilai, disse: "Se a fossa está aberta e as moscas são atraídas pelo odor, não é possível acabar com todas".
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