A Colômbia acaba de rejeitar uma das pedras angulares da guerra às drogas apoiada pelos EUA, barrando a pulverização aérea da coca, a planta da qual é feita a cocaína.
A Bolívia expulsou a DEA (a agência norte-americana de combate às drogas) do país há anos e permite o cultivo de pequenas plantações de coca.
O Chile, por muito tempo um dos países mais conservadores da América Latina, está fazendo sua primeira colheita de maconha para fins medicinais.
Cada vez mais, governos latino-americanos resistem aos princípios da abordagem dos Estados Unidos no combate às drogas, contestando estratégias como a proibição, a erradicação de plantações e o combate militarizado aos plantadores.
“Pela primeira vez em 40 anos, está ocorrendo um movimento importante de resistência desses países, que são os que suportam boa parte do sofrimento provocado por essa guerra”, disse o historiador Paul Gootenberg.
A resistência reflete, sob muitos aspectos, o declínio da influência dos EUA sobre a América Latina e a ampla impressão de que fracassaram os métodos norte-americanos de combate às drogas.
“Se você usa as mesmas ferramentas por 50 anos e o problema não se resolve, é porque alguma coisa não está funcionando”, comentou o ministro da Justiça colombiano, Yesid Reyes.
A mudança de postura se dá em um momento de mudança de atitudes e preocupações também nos Estados Unidos.
Figuras políticas em países como o Uruguai, que está regulamentando cautelosamente sua indústria legal de maconha, olham para o exemplo de Estados americanos como Colorado e Washington, que legalizaram a venda da maconha para fins recreativos.
As razões que levam as nações latino-americanas a pedir a revisão da política antidrogas variam de país a país, mas, de modo geral, devem-se à tentativa de reduzir a violência do narcotráfico e de aliviar sistemas carcerários sobrecarregados.
O debate também é influenciado pela emergência da América Latina como grande mercado de drogas. O Brasil hoje figura entre os maiores consumidores mundiais de cocaína.
“O custo da guerra às drogas, em sangue e dinheiro, é avassalador”, disse Bruce M. Bagley, da Universidade de Miami e especialista no narcotráfico latino-americano. “Os líderes estão analisando a abordagem militarizada e dizendo que não querem mais 40 anos de políticas como as da Colômbia.”
Apesar de muitos discursos contundentes por parte de líderes latino-americanos sobre as falhas da guerra às drogas e a necessidade de um novo enfoque, há pouca clareza quanto ao caminho a seguir.
A Colômbia é um exemplo. O governo colombiano suspendeu recentemente a pulverização aérea das plantações de coca, citando receios de que o herbicida usado possa causar câncer em humanos.
Em abril, Reyes fez um discurso na ONU pedindo novas abordagens ao problema das drogas e defendendo a descriminalização do consumo. Mas ele e o governo colombiano não apresentaram propostas concretas de como colocar isso em prática.
Reyes disse que a Colômbia teve muitas vitórias no combate aos narcotraficantes e não vai recuar, podendo até retomar a pulverização se encontrar um herbicida mais seguro.
A Colômbia é um dos principais aliados dos EUA na América Latina, de modo que a decisão de sustar a pulverização aérea foi carregada de simbolismo.
A tática era um elemento central da política antidrogas apoiada pelos EUA, e a decisão colombiana foi tomada apesar de objeções de Washington.
No entanto, a partir do momento em que ficou claro que a Colômbia seguiria seu próprio caminho, as autoridades americanas lhe ofereceram apoio público.
Muitos países latino-americanos ainda estão tentando decidir quais devem ser suas novas políticas. Os eleitores na região não abraçaram a campanha de legalização das drogas. Politicamente falando, a proposta de legalização raramente é bem recebida.
Na Guatemala, o presidente Otto Pérez Molina disse que vai estudar a criação de mercados legais para algumas drogas, com o objetivo de neutralizar o poder das quadrilhas. Mas ele não apresentou propostas concretas.
O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, disse estar aberto a discutir a legalização, mas até agora fez pouco para promover o debate. Mesmo na Cidade do México, considerada um reduto progressista, os esforços de descriminalização não avançam. Peña Nieto chegou ao poder com a promessa de melhorar a economia, minimizando a importância dos problemas do país com os cartéis do tráfico e o crime organizado.
Na Bolívia, o presidente Evo Morales expulsou agentes americanos da DEA em 2009 e conquistou uma exceção a uma convenção antidrogas das Nações Unidas, obtendo o reconhecimento do direito ao uso tradicional da coca.
Morales promove um sistema que permite aos camponeses cultivar pequenas plantações de coca, cuja folha é mastigada há séculos por suas propriedades estimulantes leves. Mas ele não aderiu aos chamados pela legalização da cocaína ou de outras drogas.
No Peru, outro grande produtor de cocaína, o Congresso analisa uma lei que permitiria às Forças Armadas abater aviões suspeitos de estarem transportando drogas. Essa medida reverteria uma proibição que entrou em vigor em 2001, depois de um avião levando missionários ter sido abatido por engano, levando à morte de dois americanos.
O Brasil aprovou uma lei que visa manter os usuários de drogas recreativas fora da prisão, substituindo a reclusão por medidas como serviços comunitários. Mas brechas na lei causaram o efeito oposto, e o número de pessoas encarceradas no país por delitos ligados às drogas, incluindo delitos leves, vem crescendo.
Colaboraram Randal C. Archibold, Michael S. Schmidt, Susan Abad e Andrea Zarate
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