Nos tempos soviéticos, quando artistas aprovados pelo governo recebiam um estipêndio para passar o verão em Koktebel, na costa sul da Crimeia, uma placa metálica erguida ao lado da praia dizia em letras garrafais: "Silêncio! Escritores trabalhando!".
Neste verão, o barulho maior está sendo feito pelos próprios artistas, depois de eles se dividirem em duas facções opostas. Alguns frequentadores regulares optaram por evitar o lugar por completo.
"A situação é tensa", comentou Serguei Tsigal, 64 anos.
O problema começou com a anexação da Crimeia por Moscou, em março. Desde então, os artistas vêm discutindo se a coisa moralmente certa a fazer neste verão seria deixar de ir a Koktebel. Embora reflita os fatos atuais, a disputa tem suas raízes na história da cidade. Max Voloshin, poeta e pintor alegre e que gostava de tomar banho de mar nu e defender a tolerância, fundou o oásis criativo cerca de cem anos atrás. Embora não fosse exatamente livre das restrições soviéticas, Koktebel proporcionava a artistas uma possibilidade de fuga a um lugar mais aberto, fora do tempo.
Neste verão, contudo, o mundo não deixou de estar presente.
"As pessoas se dividiram em dois lados, pró-Crimeia russa e anti-Crimeia russa", contou Natasha Arendt, 55 anos.
As escaramuças começaram muito antes do verão, espalhando-se por páginas do Facebook, por meio do qual moradores sazonais se mantêm conectados.
O slogan inspirado no Kremlin para a tomada da Crimeia era "Krim nash!", ou "a Crimeia é nossa". Quando alguns artistas que advogavam um boicote descobriram que outros planejavam ir à cidade mesmo assim, começaram a lançar comentários críticos como "Krim vash!", ou "A Crimeia é de vocês", e "vão para a sua Crimeia!".
Uma ex-amiga da atriz Marietta Tsigal, 30 anos, lhe disse no Facebook: "Se você for para lá, estará apoiando Putin".
Marietta procurou manter distância da disputa. Mas seu pai, Serguei, não tem os mesmos escrúpulos. Ele anuncia sua posição de maneira sutil: passeia pela cidade de camiseta amarela e bermuda azul-cobalto, as cores da bandeira ucraniana.
"Quero fazer parte do mundo civilizado", ele disse.
Natalya Turkiya, 70 anos, conversa com as pessoas diante da pequena galeria da qual é proprietária. "A Rússia salvou a Crimeia!", ela declara, observando que sua opinião é a da maioria em Koktebel, mesmo porque a maioria dos adversários da anexação manteve distância da cidade neste verão.
Logo adiante, o físico nuclear Igor Sheptovetski, 51, que se aposentou cedo e abriu um pequeno hotel em Koktebel, concorda com ela. "O que aconteceu na Crimeia é um milagre", opina. "Sem a Rússia, a mesma violência que está ocorrendo no leste da Ucrania poderia ter acontecido aqui."
Moradores de longa data acham a guerra civil local especialmente desagradável porque destoa do espírito libertário de Voloshin, que se radicou na cidade em 1917, abrigando pessoas dos dois lados durante a revolução.
As gerações que descenderam dos amigos de Voloshin ficaram horrorizadas com as mudanças advindas após a queda da União Soviética, em 1991. Durante o governo ucraniano, um parque, um vinhedo e uma quadra de tênis pública desapareceram, dando lugar a construções novas. A praia antes serena hoje é repleta de bares e lojas de suvenires.
Com o setor turístico em queda, o verão deste ano lembra aos moradores como a cidade era tranquila antigamente. "Nos anos 1950 havia poucas pessoas aqui", contou Serguei Tsigal. "É por isso que estou gostando tanto deste verão."
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura