Por volta de 2011, Keith Richards estava pronto para se aposentar do rock. Aproximando-se de meio século com os Rolling Stones, já tinha feito de tudo.
Ele é o arquétipo do guitarrista de rock: o gênio esbanjador, o inimputável improvisador, o arquiteto de um som imitado em todo o mundo, o sobrevivente de todos os excessos. No palco, ele é ao mesmo tempo uma figura extravagante e retraída, fechado em uma dança isolada com sua guitarra, trabalhando variações em cada canção. “Eu nunca toco a mesma coisa duas vezes”, disse. “Não consigo lembrar como toquei antes, de qualquer modo.”
Com os Stones em “hibernação” depois de uma turnê que terminou em 2007, Richards tirou dois anos e meio para escrever (com James Fox) uma memória campeã de vendas, “Vida”, que reviu suas turnês, encontros, vícios, enganos, prisões e realizações. Depois da publicação de “Vida”, em 2010, ele curtia a vida em família. A aposentadoria parecia uma possibilidade real.
“Ele estava confortável com essa situação”, disse Steve Jordan, antigo coprodutor de Richards e seu baterista nos projetos solo. “Mas, conhecendo Keith, era estranho não o ver pegar um instrumento e tocar. Quando você é um músico, não se aposenta.”
Jordan então empurrou Richards de volta ao estúdio para fazer seu primeiro disco individual em 23 anos, “Crosseyed Heart”, a ser lançado em 18 de setembro. “Percebi que não entrava em um estúdio desde 2004”, disse Richards. “Pensei: ‘Isso é estranho. Falta alguma coisa na minha vida’.”
É um álbum antiquado, de raízes, que poderia ter sido feito 20 anos atrás. Os instrumentos são tocados a mão, os vocais são rosnados roucos e as canções reveem os idiomas preferidos de Richards —blues, country, reggae, rock à la Stones— para contar algumas histórias intrigantes. O disco foi gravado em fita analógica. “Eu adoro ver aquelas rodinhas girando”, disse Richards.
Reclinado em um sofá no escritório de seu empresário em Manhattan, Richards, 71, fumava enquanto tomava um drinque.
Usava um conjunto que só ele poderia inventar: um paletó de algodão fino listrado sobre uma camiseta preta decorada com o escudo do Capitão América, jeans de veludo pretos e tênis de corrida com detalhes prateados. Uma faixa de tecido na cabeça em tons rastafári, vermelha, dourada e verde, continha seus cabelos grisalhos luxuriantes e descuidados.
Havia, como sempre, um anel de prata com uma caveira em sua mão direita, como lembrança, disse ele, de que “a beleza é superficial”.
Em uma conversa pontilhada por sua risada rouca e arfante, conspiratória, ele era um homem à vontade consigo próprio como um ancião do rock. “É tudo uma questão de perspectiva e de qual lado do telescópio você olha.”
“Ninguém quer resmungar, mas ninguém quer envelhecer”, disse. “Quando os Stones começaram, tínhamos 18, 19, 20 anos, e a ideia de ter 30 era absolutamente horrível. Esqueça! E de repente você tem 40, e oh, eles estão firmes. Então você precisa se adaptar, e é claro que vêm os filhos, e os netos, e então você começa a ver o desenho se desdobrar. Se você conseguir, é fantástico.”
A carreira solo de Richards começou durante uma briga dos Rolling Stones, um período no final dos anos 1980 que ele chamou de “a Segunda Guerra Mundial” da banda. Mick Jagger, seu parceiro na composição e produção das canções, havia decidido fazer discos individuais com colaboradores mais jovens. Richards decidiu se aprofundar no blues, ancorado por Jordan na bateria.
Sua ligação duradoura é com a música e com sua guitarra. “Às vezes durmo com ela”, diz. “Não existiria ‘Satisfaction’ se eu não estivesse dormindo com a guitarra na cama naquela noite. Aparentemente, acordei no meio da noite e apertei o botão daquela novidade da época, um gravador cassete. Mas fiz isso tudo num sonho ou dormindo, e escrevi ‘Satisfaction’. Se a guitarra não estivesse bem do meu lado, não a teria feito. Não que eu durma com ela todas as noites —a coroa reclamaria.” (Ele está casado com Patty Hansen desde 1983.)
Um novo documentário, “Keith Richards: Under the Influence”, será exibido pelo Netflix a partir de 18 de setembro. Ele inclui sessões de gravação de “Crosseyed Heart” e lampejos do passado dos Rolling Stones. No documentário, ele observa: “Não sou mais um astro pop, sabe? E não quero ser”.
A fama pop, insiste, nunca foi seu objetivo.
“Só fiz isso por acaso. Tudo o que eu queria era tocar”, afirmou.