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Após expulsão do Boko Haram, cidades ficam no vácuo

Soldados do Chade mostram armas confiscadas de militantes do Boko Haram, após conquista de Damasak, na Nigéria | Tyler Hicks/The New York Times
Soldados do Chade mostram armas confiscadas de militantes do Boko Haram, após conquista de Damasak, na Nigéria (Foto: Tyler Hicks/The New York Times)

A bandeira negra do Boko Haram está em toda parte na cidade de Damasak, nos confins do território dominado pelos militantes islâmicos no norte da Nigéria. Ela aparece pintada em locais outrora usados como escolas e repartições públicas e nas laterais de postos de gasolina abandonados.

O outro sinal inequívoco da presença recente dos militantes islâmicos é que pouquíssimos moradores permanecem nesta cidade antes próspera, que tinha 200 mil habitantes. Eles fugiram para a capital do Estado, Maiduguri, ou foram mortos pelo Boko Haram. Todas as lojas, depois de serem saqueadas e desmanteladas, estão escancaradas para as ruas de terra. Praticamente o único som que se ouve é o dos veículos militares transportando soldados dos vizinhos Chade e Níger na direção dos escombros deixados por quatro meses de letal ocupação islâmica nesta cidade da Nigéria.

De tempos em tempos, os soldados do Chade uivam para comemorar sua vitória contra os militantes, num combate que se estendeu até meados de março.

Os chadianos permitiram à reportagem um raro vislumbre do reduto do Boko Haram no norte da Nigéria e das dimensões —e dificuldades— de uma luta transfronteiriça contra os militantes. Os soldados do Chade e do Níger venceram aqui, mas não havia um único soldado nigeriano à vista.

Embora o governo nigeriano, às vésperas de uma eleição nacional, reafirme que suas forças já expulsaram os combatentes do Boko Haram da maior parte do norte do país, as ruas desertas e a presença exclusiva de forças estrangeiras em Damasak sugerem um quadro diferente.

Centenas de milhares de nigerianos ainda não conseguiram voltar para suas casas em cidades que, ao menos oficialmente, estariam livres do Boko Haram.

Em Ndjamena, capital do Chade, funcionários se mostravam irritados com a falta de colaboração nigeriana, enquanto as autoridades de Abuja minimizam a participação chadiana nos combates.

Os soldados do Chade se perguntam por que eles, e não os nigerianos, permanecem no controle de cidades como Damasak, dias depois de o último combatente do Boko Haram ter fugido ou sido morto. “Pedimos a eles para virem, que recebam esta cidade de nós, mas eles não vieram”, disse o segundo-tenente Mohammed Hassan.

“É porque eles têm medo”, acrescentou Hassan, com o rosto escondido num turbante preto, para se proteger do calor de 41°C.

Centenas de soldados do Chade e do Níger acampavam sob o sol escaldante. “Lutamos na noite do dia 14, e o último ataque foi no dia 15”, relatou Hassan. Quanto aos nigerianos, “ligamos para eles no dia 16” —após o final dos confrontos em Damasak— “e dissemos a eles para virem. Eles não acreditaram que estivéssemos aqui”.

Em Ndjamena, a duas horas de voo de distância, o chanceler do Chade, Moussa Faki Mahamat, fazia uma avaliação semelhante, ainda que mais polida. “O Exército nigeriano não conseguiu enfrentar o Boko Haram”, disse Mahamat. “Mas a ocupação dessas cidades cabe à Nigéria. Meu maior desejo é que eles assumam as suas responsabilidades.”

Os soldados ao redor do tenente Hassan, saboreando sua vitória sobre o Boko Haram, exibiam uma pilha de surrados rifles confiscados dos militantes. Os homens disseram ter revistado minuciosamente a cidade saqueada sem encontrar um único combatente do Boko Haram.

Vários dos homens manifestavam seu estranhamento com algumas das crenças e hábitos de combate dos inimigos. “Pode-se dizer que são pessoas dispostas a cometer suicídio”, disse Hassan.

Ele contou como, depois da batalha, um prisioneiro do Boko Haram parecia aterrorizado com as armas e os equipamentos dos chadianos. O combatente capturado insistia que o blindado de transporte comandado pelo tenente era autoguiado e comia seus inimigos.

Um comboio de veículos militares roncava pela vazia rua principal da cidade, e um solitário casal idoso podia ser entrevisto nos fundos de um terreno com muros de barro. A mulher, em desespero, erguia ao céu os punhos cerrados à passagem dos caminhões. Os soldados disseram que as poucas pessoas que permaneceram em Damasak estavam simplesmente fracas demais para se deslocar.

O Boko Haram capturou a cidade no final de novembro, segundo relatos na imprensa nigeriana.

Agora Damasak, como grande parte do nordeste da Nigéria, está no vácuo. O Boko Haram foi expulso, mas não está claro se o Exército nigeriano tem condições de ocupar e manter essa e outras cidades.

Num sinal disso, os soldados do Chade e do Níger recentemente descobriram o que parecia ser uma vala comum na periferia da cidade, e alguns dos corpos pareciam ter sido decapitados.

Refugiados de cidades controladas pelo Boko Haram disseram que a facção frequentemente decapita homens jovens.

“Cabe a eles manter a cidade, não a nós”, disse o tenente Hassan, referindo-se aos nigerianos.

“Nosso papel é ofensivo. Nossa missão é perseguir os terroristas”, afirmou.

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