As ondas de massacres a tiros vão continuar a percorrer os EUA, como a arrebentação na proa da nau do Estado. A cada poucas semanas, recebemos um banho de água fria. Estremecemos, nos arrepiamos e então nos preparamos para enfrentar o jato seguinte.
E assim seguimos adiante, uma nação cujos habitantes têm 20 vezes mais chances de morrer de violência armada que os da maioria dos outros países desenvolvidos. A única coisa extraordinária em relação aos massacres a tiros que acontecem no país é como são comuns os locais onde eles acontecem: escolas, faculdades, centros de recrutamento militar, cinemas, parques e igrejas.
Será que não existe nenhum lugar seguro? Na realidade, existem vários. Quer proteção em um país que autoriza um homem mentalmente perturbado a adquirir uma arma para caçar pessoas em um espaço público? Vá ao aeroporto. Ou a uma partida de beisebol das grandes ligas, ou, ainda, a um estádio da Liga Nacional de Futebol Americano.
A segurança pode ser apenas de faz-de-conta nos locais onde jogam as grandes ligas americanas, como dizem os críticos, mas os donos desses espaços não concordariam. Eles impõem a presença de detectores de metais, e a maioria proíbe até mesmo policiais de folga de levar armas às partidas.
Em todo o país, se você quiser reduzir suas chances de ser baleado, fique longe do Sul. Essa é a região mais violenta dos EUA e também onde há mais cidadãos armados. Mais armas, obtidas com facilidade por doentes mentais, fanáticos religiosos e extremistas antigoverno, traduzem-se em mais mortes.
Se quiser se arriscar menos, é melhor ir a uma cidade ou a um Estado que impõe restrições às armas. A maioria dos Estados com leis mais rígidas sobre armas tem menos mortes por armas de fogo.
Essa é uma América, a América um pouco mais segura. Ela inclui zonas onde o governo impõe buscas para detectar e barrar armas de fogo, como aeroportos, tribunais e muitos colégios. Mas, o que é mais importante, ela também abrange imóveis usados pelo futebol americano profissional, nossa obsessão nacional mais popular.
A outra América é uma zona livre para atiradores, sendo essa liberdade respaldada por políticos que acham que ela deveria ser ainda mais cheia de pessoas comuns andando com armas letais. Logo após a tragédia recente em um cinema de Louisiana —um massacre cometido por um homem que pôde obter uma arma de fogo legalmente, apesar de ter um histórico de doença mental—, Rick Perry, do Texas, descreveu as zonas livres de armas de fogo como má ideia.
Na visão dele, que ecoa a dos fanáticos que controlam o Partido Republicano, todo mundo deveria andar armado, em todo lugar. Quando um tiroteio começa, o vilão armado será morto pelo mocinho armado.
Esse cenário quase nunca se concretiza. A lógica é pura bobagem, e as chances de um contra-assassino perfeitamente sincronizado conseguir abater o assassino malévolo são ínfimas.
Mesmo quando tal situação realmente acontece, como no massacre de Tucson, Arizona, em 2011, o cidadão armado que intervém na confusão pode representar um perigo mortal para outras pessoas. Em Tucson, uma pessoa inocente ficou a segundos de ser baleada por um transeunte armado que não tinha certeza em quem atirar.
Com mais de 500 lojas varejistas, o shopping Mall of America, que atrai 40 milhões de visitantes por ano, está tentando ser uma zona livre de armas. “Armas de fogo são proibidas neste espaço” é a política oficial do shopping.
Se o espaço aceitasse a sugestão de Rick Perry, os consumidores poderiam perambular entre as lojas com armas na cintura, prontos para se enfrentar em um tiroteio. Como os proprietários de espaços de concertos e esportes profissionais, os donos do shopping têm ideias diferentes.
O shopping tem uma força de segurança composta por mais de cem pessoas. Sim, eu já ouvi a piada sobre os seguranças de shopping displicentes. Porém, corretamente, o Mall of America confia mais neles que em consumidores armados para proteger as pessoas.
Por mais que possa parecer surpreendente, o número de pessoas que possuem armas de fogo está diminuindo em todo o país. Hoje, quase um terço das famílias americanas tem um adulto com porte de armas. É uma queda em relação a 1973, quando esse era o caso de quase metade das famílias.
O rumo que estamos seguindo nos conduz a algumas regiões que são mais seguras que outras e a alguns espaços públicos mais seguros que outros, comandados por empresas privadas.
A nova realidade vem acompanhada da inconveniência dos detectores de metais e das revistas corporais semelhantes ao que se vê rotineiramente em aeroportos: zonas livres de armas onde essa regra é implementada, não mera sugestão.
Como maneira de fazer o cotidiano parecer menos assustador, a nova realidade é absurda.
Porém, parece que esse é o custo de uma interpretação extrema de uma emenda constitucional que foi criada para combater a tirania britânica —uma liberdade que se converteu, ela própria, em tirania.
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