Ninguém sabe por que um incêndio catastrófico devastou o pequeno povoamento surgido perto de um canal fluvial, incinerando os lares de várias famílias, lançando madeira em chamas para o pântano abaixo. Pode ter sido um acidente, um ataque inimigo ou alguma espécie de ritual.
Contudo, as respostas estão surgindo, pouco a pouco, quase três mil anos depois.
O sítio arqueológico da Fazenda Must, no condado de Cambridge, é considerado tão rico que foi comparado a Pompeia, a cidade romana enterrada pela erupção do Vesúvio, em 79 d.C.
A Fazenda Must não parece uma ruína pitoresca, muito menos uma fazenda. Ela ocupa um terreno bruto, barrento com turbinas eólicas e chaminés imponentes a distância. E os uniformes amarelos usados pelo pessoal envolvido na escavação lembram uma construção.
Porém, seus tesouros mandam sinais. Do terreno encharcado, uma tigela de madeira chamuscada e um vaso de cerâmica se projetavam, perto da coluna vertebral de uma vaca, presumivelmente abatida para consumo. Nos arredores, o formato inconfundível de um crânio humano era visível no sedimento escuro no qual estava envolto desde a Idade do Bronze.
“A analogia com Pompeia, que vive sendo tema de conversa sobre este sítio, é verdadeira, mas também é falsa”, disse Mark Knight, diretor do local. “Não existe vulcão no cenário; não se trata de um desastre natural. Porém, um evento, como um grande incêndio, basicamente prendeu a vida cotidiana deles, jogando-a em um canal fluvial, selando-o para que a escavássemos.”
Para Knight e sua equipe da Unidade Arqueológica da Universidade de Cambridge, é uma experiência estimulante, ainda que às vezes perturbadora.
“Não parece arqueologia, parece mais uma invasão. É como se tivéssemos chegado após uma tragédia, sendo capazes de vasculhar os restos mortais, colhendo indicações do que estava acontecendo neste povoado três mil anos atrás.”
Dessa forma, a escavação parece tanto uma investigação de cena de crime moderna quanto uma exploração da pré-história. Entre as pessoas que trabalham aqui há um especialista forense em incêndio, que espera determinar onde as chamas começaram e como se espalharam.
O fogo consumiu pelo menos duas casas redondas, que foram construídas em palafitas sobre um canal ligado ao rio Nene, e que era cercado por alguma espécie de perímetro.
Como uma boa história de detetive, pistas fazem a narrativa avançar: uma tigela, completa com colher de madeira e refeição inacabada – descoberta que parece sugerir que quem ali morava saiu apressado. O crânio indica que talvez nem todos fossem tão ligeiros.
Os arqueólogos conhecem o sítio há algum tempo e debatem o que fazer com ele há mais de uma década. Finalmente, foi tomada a decisão de escavar e remover os objetos, temendo-se que pudessem deteriorar.
A decisão se tornou uma tarefa imensa e empolgante para as pessoas que escavam em temperaturas congelantes abaixo de uma cobertura temporária. Uma equipe com mais de dez pessoas vem trabalhando desde setembro e o projeto deve terminar em abril, embora o prazo pareça ambicioso.
Para os arqueólogos, que geralmente trabalham em projetos menores e mais limitados, a perspectiva de captar um vislumbre único da vida cotidiana na Idade do Bronze fornece uma emoção palpável.
“É uma janela incrível para o outro lado. Geralmente, lidamos com sombras, lidamos com ausências, estamos tão acostumados a trabalhar com 50% das provas e, agora, aqui, temos essa janela fantástica para um cenário completo”, disse Iona Robinson, supervisora do projeto e pesquisadora da Unidade Arqueológica de Cambridge.
Durante a Era do Bronze, neste ambiente pantanoso, os cursos de água formavam os únicos meios confiáveis de transporte e comunicação (nove antigos barcos de tronco foram descobertos perto daqui, em 2011), então o sítio pode ter sido uma espécie de encruzilhada. Na verdade, ele pode ser típico de outros povoados, ainda não descobertos, nos brejos ingleses.
A partir dos itens recuperados até agora, parece que os homens e mulheres que aqui viviam se encontravam na classe alta de sua sociedade e se estabeleceram acima do canal de água por causa do comércio ou outras oportunidades que isso possibilitava. O fato sugere que este era um centro de conexão fervilhante do seu mundo, não um entreposto às suas margens.
A comunidade daqui tinha muitas das coisas disponíveis na Grã-Bretanha pré-histórica: tecidos, cerâmica, lanças, ferramentas de corte belamente produzidas, com formato de foice. Contas da Europa Central foram encontradas, bem como potes similares aos do norte da França e espadas semelhantes às do norte espanhol.
Tudo isso torna a dúvida de como a comunidade chegou ao seu fim dramático ainda mais intrigante. Uma possibilidade é de incêndio acidental. Outra é ter sido deliberadamente destruída por seus ocupantes, tanto como ritual ou porque as estruturas estavam podres. Todavia, o fato de que muitos objetos foram deixados aponta contra isso.
A terceira possibilidade é um ataque de vizinhos hostis, e o crânio é o primeiro sinal, segundo Knight, de que as pessoas podem ter tido um final violento.
Ele adverte que os britânicos da Idade do Bronze às vezes guardavam os crânios dos ancestrais, então é possível que se trate de uma relíquia. Porém, em breve a escavação mostrará se ele está ligado a um esqueleto.
Essa ideia pode invocar imagens de Pompeia, e a forma como os derradeiros e desesperados momentos de seus moradores foram preservados, mas a Fazenda Must nunca foi destinada a se tornar um sítio arqueológico permanente.
Na verdade, resolver o mistério do que aconteceu é uma corrida contra o tempo, e existe somente uma chance de fazer a coisa certa.
Talvez seja apropriado que a fazenda lembre uma construção porque assim que os artefatos forem removidos, a escavação será preenchida com solo e pedra britada, e o cenário deste vilarejo misterioso e muito antigo irá se tornar uma rodovia.