Arqueólogos trabalham na Fazenda Must, um sítio arqueológico da Idade do Bronze| Foto: ANDREW TESTA/NYT

Ninguém sabe por que um incêndio catastrófico devastou o pequeno povoamento surgido perto de um canal fluvial, incinerando os lares de várias famílias, lançando madeira em chamas para o pântano abaixo. Pode ter sido um acidente, um ataque inimigo ou alguma espécie de ritual.

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Contudo, as respostas estão surgindo, pouco a pouco, quase três mil anos depois.

O sítio arqueológico da Fazenda Must, no condado de Cambridge, é considerado tão rico que foi comparado a Pompeia, a cidade romana enterrada pela erupção do Vesúvio, em 79 d.C.

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A Fazenda Must não parece uma ruína pitoresca, muito menos uma fazenda. Ela ocupa um terreno bruto, barrento com turbinas eólicas e chaminés imponentes a distância. E os uniformes amarelos usados pelo pessoal envolvido na escavação lembram uma construção.

Porém, seus tesouros mandam sinais. Do terreno encharcado, uma tigela de madeira chamuscada e um vaso de cerâmica se projetavam, perto da coluna vertebral de uma vaca, presumivelmente abatida para consumo. Nos arredores, o formato inconfundível de um crânio humano era visível no sedimento escuro no qual estava envolto desde a Idade do Bronze.

Mark Knight é diretor da Fazenda Mustyo, sítio arqueológico com mais de 3 mil anos  

“A analogia com Pompeia, que vive sendo tema de conversa sobre este sítio, é verdadeira, mas também é falsa”, disse Mark Knight, diretor do local. “Não existe vulcão no cenário; não se trata de um desastre natural. Porém, um evento, como um grande incêndio, basicamente prendeu a vida cotidiana deles, jogando-a em um canal fluvial, selando-o para que a escavássemos.”

Para Knight e sua equipe da Unidade Arqueológica da Universidade de Cambridge, é uma experiência estimulante, ainda que às vezes perturbadora.

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“Não parece arqueologia, parece mais uma invasão. É como se tivéssemos chegado após uma tragédia, sendo capazes de vasculhar os restos mortais, colhendo indicações do que estava acontecendo neste povoado três mil anos atrás.”

Dessa forma, a escavação parece tanto uma investigação de cena de crime moderna quanto uma exploração da pré-história. Entre as pessoas que trabalham aqui há um especialista forense em incêndio, que espera determinar onde as chamas começaram e como se espalharam.

O fogo consumiu pelo menos duas casas redondas, que foram construídas em palafitas sobre um canal ligado ao rio Nene, e que era cercado por alguma espécie de perímetro.

Como uma boa história de detetive, pistas fazem a narrativa avançar: uma tigela, completa com colher de madeira e refeição inacabada – descoberta que parece sugerir que quem ali morava saiu apressado. O crânio indica que talvez nem todos fossem tão ligeiros.

Os arqueólogos conhecem o sítio há algum tempo e debatem o que fazer com ele há mais de uma década. Finalmente, foi tomada a decisão de escavar e remover os objetos, temendo-se que pudessem deteriorar.

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Tigela com restos de comida: um retratos dos últimos instantes do vilarejo 

A decisão se tornou uma tarefa imensa e empolgante para as pessoas que escavam em temperaturas congelantes abaixo de uma cobertura temporária. Uma equipe com mais de dez pessoas vem trabalhando desde setembro e o projeto deve terminar em abril, embora o prazo pareça ambicioso.

Para os arqueólogos, que geralmente trabalham em projetos menores e mais limitados, a perspectiva de captar um vislumbre único da vida cotidiana na Idade do Bronze fornece uma emoção palpável.

“É uma janela incrível para o outro lado. Geralmente, lidamos com sombras, lidamos com ausências, estamos tão acostumados a trabalhar com 50% das provas e, agora, aqui, temos essa janela fantástica para um cenário completo”, disse Iona Robinson, supervisora do projeto e pesquisadora da Unidade Arqueológica de Cambridge.

Durante a Era do Bronze, neste ambiente pantanoso, os cursos de água formavam os únicos meios confiáveis de transporte e comunicação (nove antigos barcos de tronco foram descobertos perto daqui, em 2011), então o sítio pode ter sido uma espécie de encruzilhada. Na verdade, ele pode ser típico de outros povoados, ainda não descobertos, nos brejos ingleses.

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A partir dos itens recuperados até agora, parece que os homens e mulheres que aqui viviam se encontravam na classe alta de sua sociedade e se estabeleceram acima do canal de água por causa do comércio ou outras oportunidades que isso possibilitava. O fato sugere que este era um centro de conexão fervilhante do seu mundo, não um entreposto às suas margens.

A comunidade daqui tinha muitas das coisas disponíveis na Grã-Bretanha pré-histórica: tecidos, cerâmica, lanças, ferramentas de corte belamente produzidas, com formato de foice. Contas da Europa Central foram encontradas, bem como potes similares aos do norte da França e espadas semelhantes às do norte espanhol.

Tudo isso torna a dúvida de como a comunidade chegou ao seu fim dramático ainda mais intrigante. Uma possibilidade é de incêndio acidental. Outra é ter sido deliberadamente destruída por seus ocupantes, tanto como ritual ou porque as estruturas estavam podres. Todavia, o fato de que muitos objetos foram deixados aponta contra isso.

A terceira possibilidade é um ataque de vizinhos hostis, e o crânio é o primeiro sinal, segundo Knight, de que as pessoas podem ter tido um final violento.

Equipe se reúne para organizar trabalhos no sítio arqueológico considerado a “Pompeia inglesa” 
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Ele adverte que os britânicos da Idade do Bronze às vezes guardavam os crânios dos ancestrais, então é possível que se trate de uma relíquia. Porém, em breve a escavação mostrará se ele está ligado a um esqueleto.

Essa ideia pode invocar imagens de Pompeia, e a forma como os derradeiros e desesperados momentos de seus moradores foram preservados, mas a Fazenda Must nunca foi destinada a se tornar um sítio arqueológico permanente.

Na verdade, resolver o mistério do que aconteceu é uma corrida contra o tempo, e existe somente uma chance de fazer a coisa certa.

Talvez seja apropriado que a fazenda lembre uma construção porque assim que os artefatos forem removidos, a escavação será preenchida com solo e pedra britada, e o cenário deste vilarejo misterioso e muito antigo irá se tornar uma rodovia.

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