O último homem que derrubou o boxeador Floyd Mayweather Jr. vive em frente a um quiosque de café incendiado. De vez em quando, um cavalo trota pela rua íngreme, puxando uma carroça caindo aos pedaços em direção a uma das cidades mais pobres deste país.
Numa manhã recente, o homem que bateu Mayweather, Serafim Todorov, fumava um cigarro na sala do seu modesto apartamento, num prédio de concreto onde mora com a mulher, o filho e a nora grávida, e recordava o que aconteceu há 19 anos em Atlanta.
A vitória de Todorov, então com 27 anos, sobre Mayweather, à época com 19, nas semifinais dos pesos-pena do torneio olímpico de boxe de Atlanta-96, marca a última vez que o campeão mundial foi derrotado no ringue.
Poucos meses depois, o americano começaria uma carreira que produziu 48 vitórias consecutivas e centenas de milhões de dólares em lucros — sua recente vitória contra o filipino Manny Pacquiao foi considerado a luta mais cara da história do boxe.
Mas o que atormenta Todorov, hoje com 45 anos, não é a gritante diferença entre a sua vida e a de Mayweather desde aquela luta. O que o amargura são as circunstâncias que levaram sua vida a perder o rumo.
E sua verdadeira fúria decorre do que aconteceu na final —a luta seguinte à vitória sobre Mayweather—, quando considera ter sido injustamente derrotado. E, numa curiosa reviravolta, Todorov acredita que ele e Mayweather podem ter sido prejudicados pelo mesmo homem.
Há anos torcedores do pugilismo levantam suspeitas sobre os jurados na luta entre Todorov e Mayweather. Todorov não descarta essa teoria. “É possível, absolutamente”, disse ele.
Atualmente sobrevivendo com uma pensão de US$ 400 (R$ 1.200) por mês, o homem que derrotou Floyd Mayweather desperta todas as manhãs desejando que tivesse perdido aquela luta.
O confronto começou com uma saraivada de socos. Assistindo a um vídeo da luta no YouTube, os lábios de Todorov se curvaram em um pequeno sorriso.
“Ele tinha 19 anos, eu me lembro. Minha experiência era muito maior. Bati todos os russos, todos os cubanos, alguns americanos, alemães, campeões olímpicos.”
A avaliação de Todorov sobre Mayweather é precisa: ele era um adolescente que a duras penas havia conseguido vaga na seleção olímpica americana.
Já Todorov era tricampeão mundial e bicampeão europeu amador, um tipo de lutador que brincava com os seus adversários, fintando e esquivando-se dos ataques antes de cutucar o ombro do rival e provocar: “Nada disso, eu estou aqui”.
O búlgaro dominou o torneio olímpico, demolindo os três primeiros adversários por um placar somado de 45 x 18. “Para ser franco, era uma luta como outra qualquer —eu já havia derrotado lutadores muito mais fortes”, afirmou.
Mas Mayweather surpreendeu Todorov. Os lutadores foram para o round final com Todorov perdendo de 7 x 6. Os fãs de Mayweather acham que Emil Jetchev, um búlgaro que foi durante anos o presidente da comissão internacional de árbitros e jurados, havia influenciado a decisão dos jurados em favor de Todorov.
Ele, no entanto, responsabiliza Jetchev por ter perdido a medalha de ouro, alegando que ele foi injustamente derrotado pelo tailandês Somluck Kamsing, por 8 x 5.
Todorov disse que a primeira pista foi quando Jetchev disse a ele, no vestiário, que se quisesse ser campeão teria de nocautear Kamsing. “Ele nunca fez isso, nunca havia feito”, disse Todorov, balançando a cabeça.
“Por que ele veio me dizer isso? Eu venci esse tailandês por pontos, por muitos pontos, num torneio pré-olímpico. E Jetchev sabia que eu era um cara técnico, que eu não era um Mike Tyson. Então, o que ele estava fazendo era claro – ele estava dizendo: ‘Você está indo para perder’.”
Emil Jetchev não estava disponível para comentar a acusação feita por Serafim Todorov.
Após a semifinal, Mayweather e Todorov ficaram juntos na sala de espera do antidoping. Todorov contou que três outros homens entraram no local.
Ele não conseguia entender o que estava escrito em suas credenciais, mas ficou claro que dois deles estavam envolvidos na promoção do pugilismo profissional. O terceiro servia como intérprete.
O intérprete disse a Todorov que os homens queriam contratá-lo para lutar profissionalmente. Ele lembra que sorriu enquanto o intérprete listava os benefícios. Um grande valor como luvas. Uma casa. Um carro. Grandes lutas.
“Sem pestanejar, eu disse que não”, disse ele. “Eu só disse isso rápido, assim: não.”
Ele olhou para baixo. “Sabe o que aconteceu depois? Os dois homens foram até Floyd e começaram a falar em inglês.”
Todorov não acha que eles tenham abordado Mayweather só por ele ter rejeitado a oferta, mas essa imagem continua ardendo na sua memória, sempre igual: poderia ter sido ele, pensa agora. Era para ter sido ele.
Dois dias depois, ele recebeu a visita de Jetchev, pouco antes da final contra Kamsing. Angel Angelov, um dos treinadores de Todorov naquela luta, se lembra de vê-lo quase apoplético no corner, gritando que os jurados não estavam anotando suas pontuações e passando “a impressão de que ele sabia que não havia nada a fazer”.
Depois da derrota, Todorov passou dois dias em um estado de estupor, esperando o voo para a Bulgária.
“Eu não parava de beber o tempo todo”, disse. “Eu só queria beber até morrer.”
Sentiu-se traído. Ele havia atraído muita atenção e muitas adulações para o boxe búlgaro ao longo dos anos, mas agora só sentia amargura.
Mais tarde, reuniu-se com funcionários da federação turca e aceitou uma oferta para mudar sua filiação e lutar pela Turquia. O contrato não era tão lucrativo quanto o que fora oferecido pelos promotores norte-americanos, mas era substancial.
Prometiam-lhe um prêmio de US$ 1 milhão (R$ 3 milhões) se ganhasse o ouro no mundial de 1997. Só era preciso proceder à troca de nacionalidade a tempo para que o trâmite fosse aprovado na federação de boxe búlgara.
“O negócio estava fechado”, disse Todorov. “E então eu recebi um telefonema me dizendo que ele havia sido interrompido. Na última hora, Jetchev pediu US$ 300 mil (R$ 900 mil) de taxa de transferência à federação turca.”
Ele acrescentou: “Então não pude ir. Mas também não lutei pela Bulgária. E aí foi o fim para mim. Acabou.”