Como repórter, ganho a vida localizando pessoas. E fiquei intrigada com as dificuldades que as autoridades francesas disseram ter para encontrar os herdeiros de mais de 2 mil obras de arte saqueadas ou vendidas em circunstâncias obscuras durante a Segunda Guerra Mundial e hoje abrigadas em museus da França.

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Nos últimos 60 anos, os franceses devolveram apenas 80 das chamadas obras de arte "órfãs". Críticos se queixam de que o esforço para localizar os herdeiros tem sido preguiçoso e ineficiente. Então decidi ver se eu mesma conseguiria encontrá-los.

Fui prejudicada pelo fato de muitas famílias nem mesmo saberem o que perderam. Parentes morrem. Todas as suas histórias e documentos somem. E é assim que uma grande pintura de Gustave Courbet, "As Falésias de Étretat Após a Tempestade", pôde permanecer exposta no Musée d’Orsay. Ninguém se apresentou para reivindicá-la. Até agora.

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Levei duas semanas para encontrar uma das prováveis proprietárias, Sylvie Tafani, sobrinha-neta de Marc Wolfson, listado nos arquivos franceses como um ex-proprietário do Courbet. Ele e sua mulher, Ernestine Davidoff, faziam parte de um elitista círculo de expatriados da Rússia. Foram presos em Paris e deportados para Auschwitz, onde o casal morreu sem deixar filhos. Depois de eu entrar em contato com Tafani, 61, alertando-a sobre o que eu encontrara, ela protocolou uma solicitação.

Os possíveis herdeiros de duas outras obras demoraram mais para serem encontrados. Uma dessas obras era um desenho a giz de Albrecht Dürer, do acervo saqueado de Hermann Goering. Pertenceu anteriormente a Gabrielle Tuffier, combatente da Resistência francesa que foi deportada em 1943. O irmão dela, Nemours, havia sido o dono da outra obra que eu investiguei, um tríptico dourado de Cristo na cruz, pintado por Rubens. Ele foi aparentemente vendido sob premência financeira durante a ocupação nazista da França e recuperado depois da guerra em Linz, na Áustria.

Quando encontrei um neto de Nemours Tuffier, Roland Nemours Tuffier, nos arredores de Paris, ele disse que simplesmente não sabia que seus parentes haviam possuído a obra. "Estamos realmente surpresos", afirmou ele.

Eu contava com ajuda. Seu nome é Gilad Japhet, executivo-chefe do MyHeritage.com, rede social especializada em árvores genealógicas. Mas não havia nada de mágico no que fizemos. Vasculhamos árvores genealógicas on-line, registros dos mortos em Auschwitz, bancos de dados digitais de vítimas do Holocausto, em Israel, e o catálogo fotográfico da Biblioteca Nacional francesa. O próprio catálogo de obras artísticas pertencentes ao Estado francês ofereceu pistas surpreendentes. "Há uma riqueza de informações disponível se você está tentando resolver um mistério", disse Japhet.

Muitos judeus, temerosos dos confiscos de bens sob o regime nazista, venderam obras de arte a preços de ocasião. Wolfson consignou seu Courbet a um marchand em 1941, que o vendeu por sua vez por 350 mil francos ao Museu Folkwang, na Alemanha, de onde foi recuperado.

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Quando entrei em contato com Tafani, ela disse que nada sabia da pintura de Courbet. Sua mãe, contou, estava tão traumatizada com a guerra que registrou seus filhos como protestantes. "Só quando eu tinha 15 anos", disse, "fiquei sabendo que nós éramos judeus, porque minha mãe tinha medo demais. Tentei evitar fazer perguntas que pudessem fazê-la chorar".

Os arquivos franceses indicavam que o tríptico de Rubens, "O Levantamento da Cruz", havia sido vendido em 1941 por "N. Tuffier". Um obituário de jornal e as árvores genealógicas me levaram a descobrir que o filho se chamava Nemours Tuffier, que ele tinha uma irmã, Gabrielle, e que ambos tiveram descendentes.

Buscas na internet me remeteram a Roland Nemours Tuffier, o neto de Nemours, que opera uma empresa que vende iates. Tuffier, 52, disse que atualmente está preparando uma petição com um primo, Richard Nemours Tuffier. Ele ficou ao mesmo tempo feliz e irritado com a notícia. "Como pode que não tenham feito nada para encontrar os legítimos proprietários?", perguntou ele, referindo-se ao governo francês. "Por que não podem simplesmente acompanhar as certidões de nascimento?"

Várias vezes encontrei pessoas sem nenhum interesse em saber se de fato eram herdeiros de uma obra-prima. "Minha mãe tem certeza de que o tio dela não foi saqueado", disse uma parisiense cujo parente, um marchand judeu, aparentemente foi o proprietário de um George Seurat listado entre as obras "órfãs". "Seja como for, ela não tem documentos disso."

A ministra francesa da Cultura, Aurélie Filippetti, falou sobre planos para buscar mais agressivamente os descendentes. Novos curadores receberão formação adicional. "Estou comprometida em avançar mais rápido e mais longe."

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O sucesso que obtive é um bom prenúncio para os franceses, caso eles empreendam um esforço mais vigoroso. Como disse Japhet: "Você só precisa de bastante curiosidade, um pouco de intelecto e alguma sorte".