O ateliê-laboratório de Peter De Cupere; odores ganham destaque na obra do artista| Foto: Frederik Buyckx/The New York Times

Não havia muito para ver na escultura “Tree Virus”, de Peter De Cupere: uma árvore escura e morta, com as raízes fincadas em uma esfera branca irregular, suspensa sobre uma fossa com terra, e todo o conjunto coberto por um iglu de plástico. Erguida em 2008 num campus universitário na Holanda, a coisa toda poderia passar por sobras da cenografia de um filme de Tim Burton, não fosse por seu cheiro nauseabundo.

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Dentro do iglu, uma estonteante mistura de hortelã e pimenta do reino saturava o ar. O cheiro inundava as narinas e deixava os olhos ardendo. A maioria dos visitantes chorava. Muitos fugiam. Outros pareciam se divertir, rindo em meio às lágrimas.

Esse é o estranho poder da arte olfativa. “Quando você entra numa instalação com cheiro, não tem como se esconder. Seu corpo começa a reagir”, disse De Cupere, artista belga que há quase 20 anos usa os cheiros para desencadear reações viscerais. “Quero que as pessoas também sintam como a obra pode impactar.”

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A arte de De Cupere fede —a esgoto, suor, peixe podre, cigarros ou odorizador de mictório. Mas também cheira a grama, creme dental, doces, flores e sabão.

Todos esses aromas já apareceram com destaque nas instalações, pinturas, perfumes, performances e até mesmo num aplicativo de iPad criado por esse provocador. Ele é apenas um dos vários artistas contemporâneos que usam os cheiros.

De Cupere, 44, recorre a aromas que são ao mesmo tempo familiares e deslocados —como uma paisagem urbana esculpida em sabão, ou um posto de gasolina com bombas que exalam cheiro de grama. Deseja assim fazer um comentário sobre o ambiente, a beleza e o clima, além de interagir com as memórias das pessoas.

“Com o odor, posso fazer uma obra universal, que todos consigam entender, mas ainda haverá um aspecto pessoal”, afirmou. “É mais íntimo e subjetivo do que ver. Isso dá outra dimensão à obra.”

De Cupere descobriu precocemente o poder dos cheiros. Aos 9 anos, destilou a grama do quintal da sua casa para produzir um perfume e viu que o resultado melhorava o humor de pessoas no ônibus. “São 7h da manhã, todos estão cansados, mas você entra no ônibus com esse cheiro de grama recém-cortada, e as pessoas começam a sorrir”, contou.

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Embora haja algo de nojento em seu trabalho —no ano passado, por exemplo, ele destilou seus fluidos corporais para produzir um perfume que batizou de “Own Smell”, ou “cheiro próprio”—, De Cupere tem um lado brincalhão.

Em 1999, ele instalou 333 narizes de palhaço, feitos de bronze, numa clínica oncológica infantil em Bruxelas, por onde em seguida espalhou o aroma de Fruitella, uma bala popular na Europa.

Em parceria com a fábrica de baralhos Cartamundi, da Bélgica, ele produziu o Olfacio, descrito como o primeiro aplicativo de reconhecimento de cheiros para iPad. Nele, um desenho de De Cupere parece reagir quando cartões raspáveis e aromatizados são colocados sobre a tela. Na verdade, a tela reage a uma tinta especial nos cartões.

Habitualmente, ele usa o cheiro para provocar. Já produziu imagens da Virgem Maria com odorizadores de mictório, água benta e secreções vaginais. E “Warflower”, em exposição no Instituto Courtauld de Arte, em Londres, é uma planta grotesca, com cheiro de pólvora, crescendo num capacete militar.