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Benoit Delépine, cineasta francês, em frente ao cacto que marca seu futuro túmulo | CAPUCINE GRANIER-DEFERRE/NYT
Benoit Delépine, cineasta francês, em frente ao cacto que marca seu futuro túmulo| Foto: CAPUCINE GRANIER-DEFERRE/NYT

Benoît Delépine, diretor de cinema francês, gosta de passear ocasionalmente por seu túmulo para ver os vizinhos e os recém-chegados.

Às vezes precisa dar uma limpada no monumento de bronze – um cacto espinhoso no meio do cemitério de Montmartre, na margem direita da cidade. Então, ele se afasta para admirar a pátina, que, graças à oxidação, vai adquirindo um tom verde-oliva menos intrusivo em meio às criptas enfeitadas com flores e aos imponentes mausoléus familiares de granito.

A tumba, com espaço para 60 urnas crematórias, foi um esquema idealizado por um pequeno grupo de artistas e amigos que inclui Delépine, de 57 anos, e um antigo cartunista político da Charlie Hebdo. O objetivo, segundo eles, foi criar um mausoléu irreverente que simbolize o absurdo dessa cidade dos mortos parisiense, cujos 21.500 túmulos incluem o de Edgar Degas e o de François Truffaut.

O cacto se parece muito como um dedo levantado – ou doigt d’honneur, em francês mais elegante – e isso é de propósito. Para a glória de residir aqui por toda a eternidade, cada participante reservou um espaço por cerca de 500 euros. Sete pessoas já têm sua reserva até agora, entre elas um crítico de jazz, alguns cineastas, um escritor de comédia para a televisão e um jornalista.

Cacto

A obra tem quase 1,8 metro de altura e pesa 100 quilos. Foi erguida em 2010 e traz um epitáfio simples: “Morrer? Melhor bater as botas!” E ainda aguarda seu primeiro ocupante.

“A morte é uma coisa louca. Não é séria. Como não acreditamos em Deus, o cacto simboliza nosso sentimento em relação ao mundo e toda sociedade”, disse Maurice Sinet, de 87 anos, decano dos cartunistas políticos franceses e a força orientadora do projeto.

Depois de muito debate, o cacto foi escolhido por causa de seu exterior durão, espinhoso, e a ideia de que as plantas representam a transformação dos restos mortais em vida.

Montmartre: cemitério com mais de 21 mil túmulos, em Paris CAPUCINE GRANIER-DEFERRE/NYT

Sinet – mais conhecido por seu pseudônimo, Siné – internou-se em dezembro para uma cirurgia, e zombou de suas próprias ansiedades sobre sua saúde em colunas da publicação que fundou, a Siné Mensuel.

Ele assegurou aos leitores que, quando se recuperar, “uma garrafa de Chablis Premier Cru vai estar esperando por mim em um balde de gelo”.

Disse que, junto com seus parceiros, escolheram Montmartre, pois consideravam o ambiente mais acolhedor do que o maior cemitério da cidade, o Père Lachaise, onde estão enterrados Proust, Molière e Balzac.

“O Père Lachaise é um pouco esnobe. Montmartre não é para aristocratas”, disse ele.

“É um lugar de tranquilidade, sem negócios ou dinheiro”, prosseguiu, examinando os gatos que rondam os túmulos e a paisagem lúgubre que considera seu jardim privativo. “E gosto dos vizinhos”, acrescentou.

E outros artistas também, intrigados com as histórias daqueles que se encontram aqui – como Adolphe Sax, inventor do saxofone do século 19, e La Goulue, a dançarina de cabaré e estrela do Moulin Rouge que muitos acreditam ser a criadora do cancã francês.

Entre as gerações mais novas, alguns já compartilham as qualidades ousadas do túmulo comunal em forma de cacto. Ao longo do Chemin des Gardes, o memorial em mármore branco de Guy Pitchal, psicanalista de celebridades que morreu em 1989, o mostra com seu cachimbo. O rosto esculpido na pedra cria a ilusão de que seus olhos seguem quem está por perto.

Na mesma rua, fica o santuário de uma das clientes mais antigas, a figura meio faraônica de Dalida – antiga Miss Egito e cantora popular na França – reinando em uma das esquinas com um vestido de noite elegante e dourado, com o sol brilhando por trás de sua cabeça. Ela morreu em 1987.

Ideia

Escultura marca túmulo do ex-proprietário do cabaré Moulin Rouge CAPUCINE GRANIER-DEFERRE/NYT

Delépine disse que a ideia de criar um memorial com o cacto resultou de uma discussão regada a vinho, típica da França, onde “movimentos políticos, novas empreitadas, projetos – ou qualquer coisa – nascem de uma conversa louca em um café”.

Foi também um bate-papo que refletiu o crepúsculo da carreira de Sinet. Quando se aproximava dos 80 anos, em 2008, saiu da Charlie Hebdo, revista satírica francesa que ajudou a fundar em 1970. Foi demitido por publicar uma sátira ao casamento de um filho de Nicolas Sarkozy com uma rica judia, que um editor considerou antissemita. Dois anos depois, Sinet ganhou uma ação por demissão injusta.

Delépine se lembra de que Sinet estava doente, o que acelerou as discussões sobre um memorial apropriado para um anarquista.

Patrick Chappet, o escultor do cacto, disse que demorou seis meses para criar um projeto que fosse aceitável em um cemitério tão lendário. “Siné queria que o cacto fosse mais irreverente. Tentei deixá-lo um pouco menos agressivo. Sou um pouco alquimista.”

Nos anos após a criação da tumba, Sinet recuperou a saúde e o ânimo, mas se manteve afastado de seus antigos companheiros da Charlie Hebdo, onde 12 pessoas foram mortas em janeiro por militantes islâmicos em um ataque terrorista.

“A ironia é que ele ainda está vivo e aqui está o seu túmulo. O cacto é mais forte que o EI”, disse Delépine, referindo-se ao Estado Islâmico.

Ele observou que quaisquer possíveis companheiros de túmulo teriam que ser cuidadosamente avaliados para combinar com os outros artistas ecléticos. “Siné não teme a morte, mas tem medo de ficar sozinho.”

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