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 | Kjell Gunnar Beraas/Médicos Sem Fronteiras; abaixo, Ahmed Jallanzo/European Pressphoto Agency
| Foto: Kjell Gunnar Beraas/Médicos Sem Fronteiras; abaixo, Ahmed Jallanzo/European Pressphoto Agency
  • Esse hospital na Libéria fechou por causa do ebola. Foram registrados quase dois mil casos. Acima, médicos e enfermeiros na Guiné, em abril

Pesquisadores suspeitam que o Paciente Zero do surto de ebola tenha sido um garotinho de dois anos que morreu em seis de dezembro, dias depois de ter ficado doente em Guéckédou, região do sudeste da Guiné que faz fronteira com Serra Leoa e Libéria.

A mãe do menino morreu uma semana depois; em seguida foi a irmã de três anos e a avó. Todos tiveram febre, vômitos e diarreia, mas ninguém sabia o que tinha causado a doença. No enterro dessa última, duas pessoas levaram o vírus para a aldeia onde moravam; um enfermeiro o levou para a sua, onde morreu, assim como o médico que o tratou. E ambos infectaram parentes que moravam em outros vilarejos.

Quando o ebola foi reconhecido, em março, dezenas de pessoas já tinham morrido em oito comunidades da Guiné e novas suspeitas

surgiam na Libéria e em Serra Leoa, três dos países mais pobres do mundo. Em Guéckédou, onde tudo começou, "todo mundo estava com medo", conta o Dr. Kalissa N’fansoumane, diretor do hospital, que teve que convencer os funcionários a ir para o trabalho.

Agora, com mais de mil mortes e quase o dobro de infectados, inclusive alguns na Nigéria, o surto está fora de controle e é bem provável que supere todas as outras 24 epidemias já ocorridas juntas. Epidemiologistas preveem que levará vários meses para controlá-lo.

Os governos da região podem se desestabilizar. A Guiné fechou suas fronteiras com a Serra Leoa e Libéria na tentativa de impedir a disseminação do vírus. Os médicos temem que o número de mortes por malária, disenteria e outras doenças suba, pois o ebola está exigindo recursos de um sistema de saúde já fragilizado. Médicos e enfermeiros, já em falta, foram seriamente atingidos: 145 foram infectados e 80 já morreram.

Embora a Organização Mundial de Saúde tenha decidido ser ético ao usar remédios não testados para combater a epidemia, as quantidades são limitadas.

Ao contrário da maioria dos surtos anteriores, ocorridos em regiões remotas do Congo e Uganda, esse começou em uma região onde as estradas, em melhor estado, vivem lotadas de moto-táxis e lotações sempre cheias. E como em várias outras partes da África de hoje, a maior mobilidade faz com que seja difícil conter os surtos de doenças.

Nesse caso, o ebola já tinha se espalhado antes que as autoridades percebessem. Também não ajuda o fato de essa região nunca ter tido qualquer contato com a doença. Médicos e enfermeiros não a reconheceram e não tinham nem o treinamento, nem o equipamento necessários para evitar a própria contaminação e a de outros pacientes.

Mesmo em meados de março, a Médico Sem Fronteiras em Guéckédou a princípio suspeitou que a doença fosse febre de Lassa —, mas era muito pior. As unidades de isolamento foram montadas às pressas e os testes revelaram a presença do ebola.

Seguindo a origem do surto do vírus na África

Com a doença, espalhou-se também o medo e em algumas áreas as pessoas chegaram a atacar médicos e enfermeiros, e até a acusá-los de disseminar o vírus. "No início do surto, a população de pelo menos 26 vilarejos ou cidadezinhas não quis cooperar com o pessoal da saúde pública, tipo, nem os deixou entrar", disse Gregory Hart da OMS.

No Hospital Donka, em Conacri, o dr. Simon Mardel, médico emergencista britânico que trabalhou em sete surtos anteriores da febre hemorrágica, percebeu logo que esse seria o pior de todos que já presenciou. Um dia, um homem chegou arfando e com dores abdominais. Alguns dias antes tinha recebido cuidados em duas clínicas particulares, tomou soro e foi liberado. Ninguém suspeitou de ebola porque ele não tinha febre, mas a temperatura pode cair no estágio final da doença.

A sala de tratamento estava mal iluminada e não havia nem pia, apenas alguns baldes com uma solução de cloro, mas a equipe não conseguia lavar as mãos entre os pacientes.O homem morreu duas horas depois de dar entrada. Mais tarde os testes confirmaram que ele tinha ebola. Inúmeros médicos, enfermeiros e futuros pacientes tinham sido expostos à doença.

"As equipes não conseguiam confirmar nem acompanhar os contatos de todos os pacientes — e os casos insuspeitos resultantes, que apareceram nos hospitais sem que houvesse medidas padrão de controle de infecção, reforçaram a disseminação em um círculo vicioso", conta o médico.

Como geralmente acontece nos surtos de ebola, ninguém sabe como a primeira pessoa pegou a doença ou como o vírus chegou à região. Ele infecta macacos e símios e, acredita-se que alguns surtos anteriores tenham começado quando alguém se expôs ao sangue ao matar ou esquartejar o animal doente. O cozimento destruiria o vírus, ou seja, o risco não está no consumo da carne, mas na sua manipulação enquanto estiver crua.

Acredita-se que o ebola também infecte morcegos frugívoros sem lhes causar mal. Nesse caso, a pessoa pode se contaminar comendo a fruta ou outro alimento cru que contenham fezes dos animais doentes.

Uma vez que ela adoece, seus fluidos corporais podem infectar os outros e se tornam mais infecciosos conforme a doença progride. Ela não se espalha pelo ar, como a gripe; é necessário haver contato com os olhos, nariz, boca ou cortes na pele. Uma gota de sangue pode conter milhões de vírus e os cadáveres se tornam verdadeiras bombas.

A equipe de pesquisadores que estudou o surto da Guiné conseguiu chegar até o garoto de dois anos de Guéckédou e publicou um relatório no New England Journal of Medicine. Não foram feitos testes nele, nem em seus parentes para confirmar a doença, mas os sintomas eram os mesmos e se encaixaram em um padrão de transmissão que incluiu outros casos confirmados por hemogramas.

Só que ninguém sabe explicar como uma criança tão pequena pode ter sido a primeira pessoa infectada. Fruta contaminada é uma possibilidade. Injeção com uma agulha contaminada é outra.

Sylvain Baize, parte da equipe que estuda o surto da Guiné, disse que pode ter havido um caso não descoberto, anterior ao do garotinho.

"A nossa suposição é a de que o primeiro caso foi resultante do contato com os morcegos. Talvez, mas não temos certeza absoluta".

O dr. Fazlul Haque, representante do Unicef na Libéria, disse que o nível do aumento de casos está muito alto, e a identificação deles, crucial para conter a contaminação, acontece de forma muito lenta. Serra Leoa se tornou o foco central do surto; em um vilarejo de 500 pessoas, 61 já morreram.

Em julho, em um hospital público de Kenema, o dr. Sheik Umar Khan, que liderava a cruzada de controle da epidemia, estava desesperado atrás de suprimentos: cloro, luvas, óculos e macacões de proteção, solução caseira de sal e açúcar para conter a desidratação e dar aos pacientes a chance de sobreviver.

No início de julho, enviou e-mails para amigos e ex-colegas de curso nos EUA, pedindo ajuda e mandando uma lista do que precisava e o que tinha. Muitas linhas da coluna "disponível" se encontravam vazias. Um de seus pedidos foram sacos para coleta de cadáveres: 3 mil adultos, 2 mil infantis.

Antes que os amigos pudessem enviar os materiais, o dr. Khan contraiu a doença. E morreu no dia 29 de julho.

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Contribuíram para a reportagem: Sabrina Tavernise e Catherine Saint Louis de Nova York; Clair MacDougall de Monróvia, na Libéria e Elena Schneider de Washington

Mobilidade dos africanos acelera a propagação

INTERNET: UM VÍRUS MORTAL

Gráficos sobre a disseminação do ebola na África e respostas a perguntas frequentes:

nytimes.com Busque Guéckédou

A HEALTH CRISIS

An information quarantine worsens the Ebola outbreak.

Intelligence, page X

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