Uma fugitiva de 18 anos chamada Amina concordou no mês passado em deixar o abrigo feminino no norte do Afeganistão, para onde tinha ido com o irmão e o tio.
O que aconteceu em seguida serve de aviso para os dois jovens da província de Bamian que fugiram e estão se escondendo, muito embora alguns ativistas tentem convencê-los a se entregar.
Amina fugiu para evitar se casar com um homem ao qual a família a havia prometido, e só concordou em voltar depois que a família garantiu por escrito que ela não seria machucada. Entretanto, horas depois de entrar no carro da família, uma gangue de homens armados a tirou do carro e a matou a tiros, segundo o relato do irmão e do tio.
A polícia acusa a família ofendida do noivo, mas ativistas dos direitos das mulheres afirmam que a família de Amina encenou o assassinato e Amina se tornou assim mais uma vítima dos "assassinatos por honra", cometidos para eliminar a vergonha que pesa sobre a família.
Rubina Hamdard, da Rede das Mulheres Afegãs, estima que 150 casos de assassinatos por honra ocorram anualmente no Afeganistão. Mas poucos resultam em condenações.
Esse era justamente o destino que pode ter levado o casal de Bamian, Zakia, de 18 anos, e Mohammad Ali, de 21, a se esconder depois da fuga, em março, temendo que a família de Zakia matasse os dois porque ela se recusou a se casar com o marido escolhido pelo pai.
Nem Amina, nem Zakia e Mohammad Ali fizeram nada contra a lei ou, mais precisamente, contra os dois sistemas legais em efeito no Afeganistão: a lei civil aprovada ao longo da última década com a ajuda do Ocidente, ou as antigas regras islâmicas da sharia, que também tem validade de lei. Ambos os códigos protegem os direitos das mulheres para que elas não sejam forçadas a se casarem contra sua vontade.
Entretanto, no Afeganistão, um terceiro sistema tácito e não oficial continua a ser generalizado: a lei consuetudinária, códigos tribais que persistem apesar de todos os esforços reformistas. "No Afeganistão, os juízes são guiados pela lei consuetudinária. Esqueça a sharia, e muito menos a lei civil", afirmou Shala Fareed, professora de direito na Universidade de Cabul.
Em muitos lugares, os juízes são mal formados, uma situação que continua apesar dos 904 milhões de dólares investidores pelos Estados Unidos no "Estado de direito" entre 2002 e 2010, em grande parte para melhorar o poder judiciário no Afeganistão.
Segundo as práticas consuetudinárias, os pais têm poder absoluto sobre as filhas até que elas se casem, quando o poder é transmitido para os maridos.
Um crime frequentemente passível de pena e que não está previsto na lei afegã é a fuga de casa. Mesmo que a fugitiva seja maior de 18 anos e legalmente adulta, os tribunais continuam a dar penas de um ano de detenção.
"Fugir de casa não é crime", afirmou Shukria Khaliqi do grupo de auxílio Mulheres pelas Mulheres Afegãs, que possui abrigos femininos no país. "Em alguns casos, os juízes nem prestam atenção na sharia; eles ignoram isso e dizem para a menina que ela não está na Europa ou no Ocidente, que não importa se ela é adulta ou não".
Apesar dos problemas com os tribunais, Khaliqi afirmou que era possível, especialmente em Cabul, onde os juízes são mais bem formados, vencer um caso como o de Zakia e Mohammad Ali. Ela tentou convencer Zakia a permitir que o caso fosse levado a juízo, o que significa que ela teria que voltar para um abrigo enquanto o caso estiver sendo decidido.
Contatado por telefone em um esconderijo secreto, Mohammad Ali afirmou que o casal não estava convencido. "Ninguém leva a lei a sério neste país", afirmou.
As estatísticas apontam na mesma direção. Dos 4.505 casos de violência contra a mulher registrados no ano passado, menos de 10 por cento foram resolvidos por meio de processos legais, de acordo com o último relatório do Ministério das Mulheres. Praticamente metade dos casos foi arquivado ou resolvido informalmente, muitas vezes em detrimento dos interesses da mulher. "Estamos seguros onde nos encontramos", afirmou Mohammad Ali. "Ou deixamos o país, ou continuamos escondidos".
O irmão de Zakia, Gula Khan, de 20 anos, afirmou que a família não tinha intenções violentas em relação à irmã.
O irmão e o tio de Amina diziam a mesma coisa, de acordo com Uranus Atifi, do Ministério das Mulheres, em Pul-e-Kumri, a capital da província. Atifi afirmou que só entregou Amina à família depois de se encontrar com ela. Mas ela teve tanto medo que ligou para Amina diversas vezes. A última vez que conseguiu falar com a jovem foi as 20h do dia 21 de abril. "Ela me disse que estava tudo bem e que eles ainda estavam dirigindo", afirmou Atifi. Às 22h o telefone não foi mais atendido.
No dia seguinte, ao ser contatado por Atifi, o irmão da jovem contou que nove homens mascarados pararam o carro, tiraram sua irmã de dentro e a mataram a tiros. A família não relatou o crime.