Preso por esfaquear um passageiro dentro do trem, em 2013, Omar Abdel Hamid El-Hussein pôs a culpa da violência nos efeitos do haxixe e disse, em juízo, em dezembro passado, que achou que a vítima queria atacá-lo.
Em fevereiro, duas semanas após ser solto pela agressão, Hussein teve outro ataque de fúria, matando dois estranhos e ferindo cinco policiais. Dessa vez, porém, o motivo não foram as drogas, mas uma facção fanática do Islã, cuja missão, segundo a mensagem que ele postou no Facebook logo depois, “é destruir você”.
A transformação de Hussein — de brutamontes confuso e drogado a jihadista leal ao Estado Islâmico — forçou um questionamento na Dinamarca: o Islã motivou sua violência ou simplesmente encobriu sua criminalidade?
A ligação entre o extremismo violento e a religião está sendo discutida em um momento em que as sociedades analisam os motivos e influências por trás dos recentes atentados na Dinamarca e na França, além do que foi evitado na Bélgica. E todos envolvem muçulmanos jovens, revoltados e isolados.
Quase sempre os agressores invocam o Islã, mas o que quase todos têm em comum é que, antes de se converterem, tinham passagem na polícia por crimes violentos. “É a trajetória clássica do terrorismo jihadista na Europa. Não há uma via só, obviamente, mas essa é muito preocupante. São desajustados que encontram a solução para seus problemas no radicalismo religioso”, explica Thomas Hegghammer, da Agência Norueguesa de Pesquisa de Defesa.
“Hussein, que era membro de uma gangue criminosa chamada Brothas, substituiu uma subcultura pela outra”, conclui.
As organizações islâmicas dinamarquesas insistem no fato de que a religião não teve papel determinante no crime.
Junaid Mann, que já fez parte de uma gangue, frequentava o mesmo clube de boxe que Hussein. “Ele é um criminoso que ficou lelé. Esse ataque não teve nada a ver com o Islã”, afirma, categórico.
Mann, que agora trabalha meio-período como conselheiro de jovens muçulmanos problemáticos, disse que os países ocidentais têm que defender, e não estigmatizar, a religião, e combater o “Islã de rua”, uma mixórdia de trechos distorcidos do Corão e idealismo político.
Para Manu Sareen, ministro dinamarquês da Integração e Assuntos Sociais, o gatilho da violência extremista raramente é resultado de uma causa única. “Você tem o fator social, o psiquiátrico, a lavagem cerebral e também tem as mensagens recebidas na mesquita de clérigos radicais.”
Mehdi Mozaffari, professor de Ciências Políticas nascido no Irã e naturalizado dinamarquês, reclama que tanto o muçulmano médio como os governos do Ocidente subestimam a força da ideologia islamita, que mistura devoção e política. “Está mais que evidente que essa filosofia tem um papel fundamental. Sem ela, estamos enfrentando apenas criminosos comuns. Só que todas essas pessoas têm em comum uma
ideologia muito forte que justifica seu comportamento e identifica o inimigo”, afirma.
Em depoimento durante o julgamento de dezembro passado, Hussein não fez menção nenhuma a religião, indicando que a rápida conversão ocorreu na prisão. A psiquiatra forense Katarina Adamikova não registrou nenhum sinal de doença mental grave, exceto pela suspeita de abuso no uso de haxixe. Segundo os registros legais, ele disse que tinha sido esfaqueado na perna antes do atentado no trem e sentiu “a ameaça de ser atacado”.
Segundo Erhan Kilic, advogado que assessora jihadistas em recuperação, esse sentimento de perseguição é que oferece terreno fértil para a ideologia islamita radical.
“Eles sempre veem seus problemas através da lente da vitimização”.
E seu recado para aqueles que estão voltando da Síria é bem simples: “Se você é muçulmano, não pode ser terrorista; se é terrorista, não pode ser muçulmano”.
O fato de tantos jovens islâmicos se sentirem revoltados e isolados em um país que oferece às suas famílias alguns dos benefícios sociais mais generosos do mundo deixa os dinamarqueses confusos e irritados — o que, por sua vez, ajudou a ascensão do Partido Popular Dinamarquês, que é anti-imigração.
Uma pesquisa publicada pelo jornal Metroxpress descobriu que metade dos dinamarqueses quer restrições à entrada de estrangeiros.
Helime al-Amed, palestina da Síria e mãe de cinco filhos que mora em Mjolnerparken, conjunto habitacional onde Hussein foi criado, elogiou a Dinamarca. “É um país generoso e receptivo, mas ainda acho que os ataques foram orquestrados por gente que quer provocar a fúria contra os muçulmanos”.
Islã: ensinamentos distorcidos ou desculpa para criminalidade violenta?
Contribuiu Martin Selsoe
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