Policiamento em Paris: número de casos de ataques terroristas foge ao controle.| Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Na primeira vez em que Larossi Abballa chamou a atenção dos investigadores do terrorismo francês, o único ato violento de que ele poderia ter sido acusado era de matar coelhos.

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Ele se juntou a um pequeno grupo de homens, todos empenhados em promover a jihad, em uma viagem a uma floresta nevada no norte da França há cinco anos, quando tinha 19 anos. Ali, eles se filmaram matando os coelhos, comprados para que os homens se acostumassem à sensação de matar.

Quando ele e mais sete pessoas foram presas mais tarde, as autoridades descobriram que vários deles haviam salvado o vídeo com o massacre nos celulares, ao lado de filmagens de soldados sendo decapitados, segundo registros dos tribunais franceses. Abballa terminou condenado por terrorismo e passou mais de dois anos na prisão.

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Em retrospecto, não é difícil ver como o primeiro ato de brutalidade prenunciava o que aconteceu em junho. Armado com uma faca, Abballa atacou um casal no norte francês em nome do Estado Islâmico e o deixou sangrar até morrer.

Na época de sua prisão em 2011, no entanto, os investigadores não puderam demonstrar com segurança que ele era uma ameaça permanente à França. Após o período preso, ele passou a ser vigiado. Meses após o fim dos grampos telefônicos, ele cometeu o duplo homicídio.

Pela Europa e pelos Estados Unidos, as autoridades policiais estão sofrendo para acertar as contas com agressores como Abballa e Omar Mateen, cujo tiroteio, em junho, numa boate gay em Orlando, Flórida, deixou 49 mortos. Eles são homens que claramente pareciam estar se encaminhando na direção de atos violentos e cujos nomes apareceram em investigações contra o terrorismo, mas que evitaram cometer transgressões que pudessem alertar as autoridades antes que fosse tarde demais.

É muito fácil retrospectivamente, sabendo de antemão, dizer que a polícia ou o governo deveria conhecer o intento de alguém. Mas obviamente existe uma grande diferença entre motivação – alguém sendo radicalizado – e posterior realização de suas intenções. A qualquer momento, em qualquer país, teremos centenas, se não milhares, de suspeitos que se encaixam nesse perfil

Richard WaltonChefe da unidade contraterrorismo da Polícia Metropolitana de Londres durante as Olimpíadas de 2012

Imprevisível

Com milhares de casos de vigilância de terrorismo acontecendo a todo momento, as autoridades europeias se dizem assoberbadas e na posição difícil de tentar evitar ataques cujos avisos preliminares costumam vir na forma do que alguém pensa ou do que se ouve comentar.

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“Um homem está em uma loja e pensa em roubar um objeto. O que você faz? Prende?”, diz Georges Sauveur, advogado parisiense que defendeu vários casos de suspeitos de terrorismo, incluindo um dos que acompanhou Abballa à floresta em 2011 para matar os coelhos.”

Sauveur acrescenta: “Você não pode prendê-lo se ele não der o próximo passo e tentar roubar alguma coisa”.

No final de 2010, a agência de inteligência doméstica da França começou a vigiar Mohamed Niaz Abdul Raseed, 33 anos, que morava na região do Val d’Oise, norte francês, e é considerado recrutador da Al-Qaeda. A investigação revelou que ele havia atraído sete pessoas, o mais jovem dos quais era Abballa.

Sob a orientação do homem mais velho, os jovens se encontravam em um parque público para fazer ginástica, se inscreveram em um curso de kung fu e se reuniam para ter aulas sobre o extremismo islâmico. Eles também fizeram a excursão à floresta em Cormeilles-en-Parisis com os coelhos, comprados com dinheiro juntado em uma vaquinha.

Na primavera de 2011, dois membros do grupo foram ao Paquistão, onde se encontraram com um facilitador da Al-Qaeda, segundo registros da justiça francesa obtidos pelo “New York Times”.

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Como o mais jovem do grupo, Abballa não foi escolhido para ir, e isso o frustrou. “Estou com sede de sangue, Alá é minha testemunha”, ele escreveu em e-mail interceptado pelas autoridades. Em outro, implorava: “Por favor, deixe-me ir, por favor, por favor”.

Quando percebeu que não seria enviado ao Paquistão, o jovem destilou a raiva contra a França, escrevendo em 19 de fevereiro de 2011: “Se Alá quiser, nós acharemos uma maneira de hastear a bandeira aqui”.

Ele foi preso em 14 de maio de 2011 e, a exemplo dos outros membros da célula, foi condenado sob a acusação de pertencer a uma organização criminosa ou terrorista, com sentença máxima de dez anos, conta Sébastien Bono, advogado que representou o homem acusado de liderar o grupo.

Considerado o membro menos influente do grupo, Abballa passou mais de dois anos na prisão e foi libertado em 2013. Ele foi vigiado até o final de 2015.

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Suspeitos

“É muito fácil retrospectivamente, sabendo de antemão, dizer que a polícia ou o governo deveria conhecer o intento de alguém. Mas obviamente existe uma grande diferença entre motivação – alguém sendo radicalizado – e posterior realização de suas intenções. A qualquer momento, em qualquer país, teremos centenas, se não milhares, de suspeitos que se encaixam nesse perfil”, diz Richard Walton, que chefiou a unidade contraterrorismo da Polícia Metropolitana de Londres durante as Olimpíadas de 2012.

Entre as dificuldades para as autoridades em 2011 estava o fato de que Abballa negara agressivamente qualquer conexão com o terrorismo. Ele declarou aos investigadores que era ateu. E negou que tivesse participado do treino de decapitação de coelhos – ele não é visto no vídeo – ainda que os sete outros homens da célula tenham afirmado sua participação.

Embora os sistemas jurídicos possam ser diferentes, os Estados Unidos enfrentaram muitos dos mesmos problemas em suas interações com Mateen que, quando questionado pelas autoridades sobre ameaças anteriores de violência, insistiu ter dito aquelas coisas porque estava com raiva por causa da discriminação.

Depois do massacre em Orlando, James B. Comey, diretor do FBI, afirma que o arquivo de Mateen era um entre as “centenas e centenas de casos pelo país inteiro” e que a tarefa de separar quem expressa ideias extremistas dos que podem levá-las a cabo era como “procurar agulha no palheiro nacional”.

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Para a França, que teria o maior número de suspeitos leais ao Estado Islâmico na Europa, o palheiro é igualmente grande e há quem diga que o número de casos estava fugindo ao controle.

“Nós estamos nos afogando na inteligência”, garante Alain Bauer, professor de criminologia do Conservatório Nacional de Artes e Ofícios, em Paris.

As ruas de Magnanville, comunidade com cerca de 5.600 pessoas, são orladas com sebes belamente podadas. Foi aqui que Abballa esperou um policial de folga, Jean-Baptiste Salvaing, voltar para casa. Enquanto os vizinhos assistiam horrorizados, Abballa esfaqueou Salvaing na rua e o deixou sangrando na entrada da garagem, depois forçou a entrada em casa. Dentro, matou a facadas Jessica Schneider, antiga namorada do policial, enquanto o filho de três anos do casal assistia.

No tempo que levou para a polícia chegar e matar Abballa, ele fez uma pausa para carregar um vídeo no Facebook.

“Para começar, eu prometo lealdade ao emir Abu Bakr al-Baghdadi”, ele começou, referindo-se ao líder do Estado Islâmico usando uma fórmula similar ao juramento feito por Mateen, que ligou para o serviço de emergência de dentro da boate para dedicar sua violência ao grupo terrorista.

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Em um longo discurso filmado, os pensamentos de Abballa voltaram à frustração que sentiu em 2011, quando implorou para ter permissão de ir ao exterior empreender a jihad.

“Eu também me dirijo às infiéis autoridades francesas. Este é o resultado do seu trabalho. Vocês fecharam a porta para a minha ‘hijrah’”, utilizando o termo árabe para a peregrinação que alguns fiéis do Estado Islâmico têm feito à Síria e ao Iraque para ingressar no grupo. “Vocês fecharam a porta para as terras do califado? Ora, muito bem, nós abrimos a porta da jihad dentro do seu território.”