Tráfego de aviões militares da Rússia sobre o Ártico é monitorado em um bunker em Bodo, na Noruega| Foto: Bryan Denton/The New York Times

De sua guarnição, em uma montanha ao norte do Círculo Polar Ártico, o comandante da sede operacional das Forças Armadas da Noruega observava atividades militares russas que evocavam as intimidações entre Ocidente e Oriente durante a Guerra Fria.

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“Eu sou o que você poderia chamar de soldado calejado da Guerra Fria”, disse o general Morten Haga Lunde, 54, que trabalha em um complexo subterrâneo projetado para suportar uma explosão nuclear. Por causa disso, acrescentou, ele não fica muito alarmado com o aumento da atividade militar russa nos arredores do flanco norte da Otan.

“É mais ou menos igual a quando eu comecei”, disse Lunde, que iniciou sua carreira rastreando aviões de guerra soviéticos, no início da década de 1980. A assertividade da Rússia sob o governo de Vladimir Putin mostra apenas que o país “voltou ao seu comportamento normal”, segundo o general.

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No ano passado, a Noruega interceptou 74 aviões militares russos ao longo da sua costa, 27% a mais do que em 2013. Sempre que isso ocorre, os noruegueses mobilizam caças F-16 de uma base aérea em Bodo para monitorar e fotografar os aviões russos. Isso é muito menos do que as centenas de aviões soviéticos que a Noruega rastreava na sua costa no auge da Guerra Fria, mas é um aumento significativo em relação aos 11 aviões militares russos que a Noruega detectou há dez anos.

O ministro norueguês da Defesa, Ine Eriksen Soreide, disse que as Forças Armadas estão sendo reestruturadas para lidar melhor com os novos riscos. “A Rússia criou incertezas sobre suas intenções, para que haja, naturalmente, imprevisibilidade”, afirmou.

Ninguém espera uma invasão russa. Mas a própria Rússia alimenta o alarmismo. O embaixador russo em Copenhague recentemente disse que os navios de guerra dinamarqueses “se tornarão alvos para as armas nucleares da Rússia” se a Dinamarca fornecer radares a um sistema de defesa antimísseis planejado pela Otan. O chanceler dinamarquês, Martin Lidegaard, minimizou a ameaça.

Em 1992, ano em que Putin se tornou presidente, a Rússia gastou US$ 9,2 bilhões com as Forças Armadas. Hoje o valor é mais de cinco vezes superior, e deverá subir novamente neste ano, apesar dos problemas econômicos decorrentes do colapso do preço do petróleo e das sanções ocidentais.

O ex-premiê norueguês Jens Stoltenberg, desde o final de 2014 secretário-geral da Otan, disse que a atual assertividade russa não resulta apenas de uma ampliação de verbas e da recuperação das capacidades militares. Ele enxerga nisso também “um quadro mais amplo, onde vemos que a Rússia está disposta a usar a força”, como ocorreu na Geórgia em 2008 e recentemente na Ucrânia.

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A atividade aérea da Rússia ao longo das fronteiras da Otan —território cuja parte mais setentrional é patrulhada pelos caças de Bodo— aumentou 50% no ano passado em relação a 2013, segundo a aliança militar ocidental. Ao mesmo tempo, a Rússia intensificou suas manobras de treinamento que, violando o procedimento estabelecido, são anunciadas só na última hora ou ficam em segredo.

Katarzyna Zysk, do Instituto Norueguês de Estudos de Defesa, disse que Putin fortaleceu a presença militar no Ártico, acionou novos submarinos nucleares, criou uma série de bases ao longo da vasta costa setentrional e reabriu instalações militares da era soviética que estavam abandonadas. A Noruega, disse, “não conta para a Rússia como Noruega, mas como porta da Otan”.

Essa relação, prosseguiu, faz com que a Rússia desconfie de Svalbard, arquipélago desmilitarizado e sob controle norueguês no meio do Ártico, que Moscou acredita que sirva como plataforma para atividades clandestinas da Otan.

Embora Rússia e Noruega não se vejam mutuamente como ameaças diretas, há potencial para uma escalada, disse Zysk.

A Finlândia também está tão preocupada que já cogita aderir à Otan, o que antigamente era um assunto-tabu. O primeiro-ministro Alexander Stubb afirmou que gostaria de ver seu país futuramente integrado à aliança, e as pesquisas mostram que há um crescente apoio popular a isso.

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A assertividade da Rússia levou a Otan a reforçar a sua presença nos países bálticos, onde os novos membros da aliança, como a Estônia, não têm uma Força Aérea própria, mas agora acolhem aviões de outros países que se revezam na tarefa de patrulha área.

“Depois que o Muro de Berlim caiu, tudo ficou muito tranquilo”, disse um comandante veterano, que pediu anonimato, do Esquadrão Aéreo 331, cujo caças F-16 estão em alerta permanente como parte da rede de defesa aérea da Otan. “Agora está muito mais interessante.”