Em um longo almoço em um dia ensolarado no começo do outono em Nova York (primavera no Brasil), o cineasta Paul Thomas Anderson, 44, ficou mudo.
Perguntaram a Anderson: Thomas Pynchon, o autor recluso de "Arco-Íris da Gravidade", "Mason & Dixon" e "O Leilão do Lote 49", aparece em seu filme "Vício Inerente", o primeiro longa-metragem adaptado de um dos romances do escritor?
Uma participação especial seria o tipo de brincadeira dissimulada que divertiria Pynchon, que parece adorar se esconder à vista de todos desde o início da sua espetacular ascensão à fama, com o romance "V", em 1963.
Em 2004, ele "apareceu" em duas participações menores em "Os Simpsons", e mesmo assim usando um saco sobre sua cabeça supostamente grande e amarela, enquanto gritava: "Tire uma foto com um autor recluso!".
Em 2009, Pynchon narrou um trailer para o romance "Vício Inerente." E sua obra contém um catálogo de referências obscuras de um cinéfilo obsessivo.
Uma aparição também estaria de acordo com o tom travesso da excêntrica adaptação de Anderson, que estreia mundialmente a partir de dezembro.
"Vício Inerente", uma guinada em relação à incansável odisseia petrolífera "Sangue Negro," é sua produção mais cômica e anárquica desde "Boogie Nights Prazer sem Limites".
É um filme sobre um detetive maconheiro, tão recheado de reviravoltas e peripécias visuais que o cineasta disse ter se inspirado em comédias pastelão, como "Superconfidencial" e "Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu!".
Mas será que Pynchon, 77, se sentiria mesmo tentado por uma brincadeira desse tipo? Ao ser informado de que outras fontes haviam confirmado a participação especial, Anderson olhou fixamente para sua salada e a remexeu com o garfo.
"Vou ficar fora disso!", declarou finalmente. "Alguém passou muito tempo decidindo não aparecer por aí. Há uma razão para isso. Então vou ficar de fora."
Procurado para fazer algum comentário, um representante da Penguin Press, editora do escritor, disse que "Pynchon não está concedendo nenhum tipo de entrevista no momento".
Josh Brolin, um dos astros do filme, foi menos circunspecto. "Acho que ninguém sabia" que Pynchon estava no set, disse Brolin, confirmando a participação. "Ele apareceu como o tipo de iconoclasta e mercurial que é. Ficou num canto."
Como no romance, o filme se passa em 1970, na fictícia Gordita Beach, Califórnia, entre paranoicos estressados, ciclistas adeptos da supremacia branca, ex-presidiários "black power" e hippies transformados em desdentados viciados em heroína.
O detetive Doc Sportello, um sujeito que usa chinelos de borracha (interpretado por um Joaquin Phoenix de costeletas e resmungão), começa investigando um mistério a pedido de sua ex-namorada Shasta Fay Hepworth (Katherine Waterston).
Para a consternação do policial corrupto Bigfoot Bjornsen, interpretado por Brolin com um "topete arrepiado digno do [Fred] Flintstone", como o personagem diz no filme, e um malicioso "brilho nos olhos que diz violações dos direitos civis".
Anderson e Pynchon têm em comum o fato de adorarem as contradições do sul da Califórnia. Dos líderes sectários e seguidores confusos dos filmes "Magnólia" e "O Mestre", de Anderson, aos ex-hippies viciados em conspiração de "Vineland" (1990) e "Vício Inerente".
Ambos têm empatia pelo espetáculo de mulheres e homens confusos e falíveis que não podem resistir à audácia do sonho idealista californiano.
Anderson escreve todos os seus roteiros e, no caso de "Vício Inerente", inventou um final chocante que se desvia significativamente do romance, o que resulta em outra pergunta óbvia: Pynchon aprovou essas mudanças?
"Sei que eles conversaram bastante", disse Phoenix. "Às vezes ele comentava, Ah, falei com Pynchon, estávamos conversando, ele acha que talvez pudesse ser assim ou assado. Foi muito interessante, porque parecia que ele estava muito presente no processo por meio do Paul. Parecia que eles conversavam frequentemente e ele fazia sugestões ou comentava como condensar três cenas em uma."
Os romances de Pynchon têm fama de difíceis, mas são repletos de brincadeiras e referências alusivas à baixa cultura, piadas sujas, letras de músicas bobas, trocadilhos infames, anagramas e siglas absurdas. Anderson disse que tentou encaixar na tela a mesma quantidade de piadas que Pynchon espreme na mesma página do livro.
Mas uma melancolia entorpecida pulsa tanto no romance quanto no filme, que se desenrola como um lamento satirizado pelo que a utopia do sul da Califórnia poderia ter sido.
"Como qualquer pessoa que fez parte daquele tempo, com todas aquelas ideias no ar, Doc sente que foi surrupiado", disse Anderson. "Existe uma tristeza por trás de tudo isso. E certamente é um tema que tem sido constante na obra de Pynchon."