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Bailarinos cubanos fogem para os EUA

 | Chris Hinkle/The New York Times
(Foto: Chris Hinkle/The New York Times)
Entre os bailarinos que deixaram Cuba estão Arianni Martin, sentado à esquerda, e Randy Crespo, abaixo ao centro |

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Entre os bailarinos que deixaram Cuba estão Arianni Martin, sentado à esquerda, e Randy Crespo, abaixo ao centro

Cuba toma medidas especiais para conservar um de seus recursos culturais mais preciosos: seus bailarinos. Para desencorajar deserções, as autoridades às vezes impedem artistas de participar de turnês fora do país ou dizem a jovens que encontrar trabalho no balé será difícil no mundo capitalista que pouco aprecia o gênero.

Mas isso não desanimou sete integrantes do Balé Nacional de Cuba que chegaram aos Estados Unidos na primavera deste ano. E, numa história de sucesso surpreendente, todos encontraram empregos, incluindo o caso mais que perfeito de Arianni Martin, que neste mês dançou o papel-título da "Cinderella" de Prokofiev com a companhia de balé Arizona.

Apenas seis meses atrás, Martin, 21, e seis outros bailarinos, entre eles seu namorado, Randy Crespo, abandonaram o Balé Nacional de Cuba quando a companhia fazia uma turnê no México. O grupo chegou a Miami em abril sem empregos, sem dinheiro e sem ter qualquer conhecimento real do modo de vida americano ou domínio do inglês coloquial.

"Sabíamos que estávamos deixando tudo para trás. Não sabíamos o que nos aguardava", disse Martin recentemente. "Mas tínhamos que fazer o que fizemos."

Uma carreira na dança acrescenta uma camada de complexidade à história clássica do desertor cubano. Em Cuba, os bailarinos são quase tão valorizados quanto jogadores de beisebol. Eles formam um grupo de elite que é reforçado pela fama do Balé Nacional e de sua grande dama, Alicia Alonso, 92, que fundou a companhia em 1948.

Os bailarinos desertores disseram que, para realizar suas aspirações pessoais e artísticas, precisavam se afastar de um sistema que parece congelado no tempo e sujeito a favoritismos políticos.

Para chegar aos EUA, os bailarinos percorreram 2.600 quilômetros de ônibus, de Yucatán a Nuevo Laredo, na fronteira do Texas. Chegando à Flórida, receberam abrigo, apoio e treinamento do Balé Cubano Clássico de Miami. O diretor dessa companhia, Pedro Pablo Peña, foi de Cuba aos Estados Unidos em 1980, dentro do êxodo de Mariel, de modo que entendia a desorientação e incerteza sentidas pelos bailarinos.

"Em termos artísticos, pode ser difícil para eles no início. Há todo um vocabulário que eles desconhecem e que envolve uma mudança radical de estilo em relação ao balé clássico com que estão acostumados", disse Peña. "Minha preocupação maior era que, num primeiro momento, eles se mostrassem um pouco relutantes em se expressar."

Os bailarinos reconhecem que se sentiram intimidados por algumas características do cotidiano nos EUA. "Nenhum de nós tinha conta bancária, então Pedro Pablo teve que nos orientar como fazer, e a maioria de nós tampouco tinha carteira de motorista", contou Crespo, 22, hoje também integrante do Ballet Arizona.

Para um país de 11 milhões de habitantes, Cuba tem um perfil de destaque incomum no mundo internacional do balé. Xiomara Reyes, bailarina principal do American Ballet Theater desde 2003, é fruto do mesmo programa que os bailarinos desertores recentes.

Para desencorajar as deserções, que vêm prejudicando o Balé Nacional desde a década de 1960, os diretores da companhia fazem circular histórias de horror sobre bailarinos que fracassam no exterior. Um funcionário não identificado do Balé Nacional disse à Associated Press nesta primavera que a situação do grupo de sete bailarinos pode ser especialmente difícil porque eles "ainda não são conhecidos internacionalmente".

Mas, após uma audição impressionante, Edward González foi convidado imediatamente a ingressar na companhia de balé Sarasota, na Flórida. Para os outros do grupo, a rapidez com que ele foi contratado desfez quaisquer dúvidas que pudessem ter sido semeadas em suas cabeças pela propaganda do governo cubano. Annie Ruiz Díaz e Luis Victor Santana, que são um casal, acabaram ingressando na companhia San Juan Ballet. Alejandro Méndez acabou em Phoenix, e Josué Justiz está na companhia em desenvolvimento do Washington Ballet.

"O mais duro foi compreender que não há mais como voltar para trás, que você criou uma ruptura em sua vida", disse Justiz, 21.

Os bailarinos disseram que o Balé Nacional de Cuba tem foco estreito e resiste a inovações. Embora tenham elogiado o rigor da formação que receberam, eles usaram termos como "estagnado" e "congelado" para descrever o repertório da companhia, concentrado em alguns poucos balés clássicos, como "Giselle" e "Lago dos Cisnes", e seus métodos de ensino. "Você tem a sensação de estar repetindo sempre a mesma coisa", disse González.

Segundo os bailarinos, devido à ameaça constante das deserções, a escolha dos bailarinos que farão turnês fora do país não é baseada exclusivamente no talento, mas também na suposta confiabilidade política de cada artista.

"Notei que eles podem escolher você para uma turnê internacional, e então, por uma razão ou outra, você não é mais autorizado a viajar nos cinco anos seguintes —uma eternidade, considerando que a carreira de um artista é tão curta", falou Méndez, 21.

"Assim, quando fui selecionado para fazer a turnê no México, bum! Fui embora. Saí de lá na primeira oportunidade que tive."

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