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Bancos europeus punem poupadores

Inicialmente, a empresária Eva Christiansen, 36, nem reparou na cifra. Ligaram do banco para avisar que um crédito especial havia sido aprovado para a microempresa dela. Ela gritou. Ela dançou. “Acho que fiquei tão feliz de receber o empréstimo que nem escutei tudo o que ele disse”, contou.

Então a informação sobre a taxa de juros foi repetida. Seria de -0,0172%, ou seja, inferior a zero. Embora ela precisasse pagar certas tarifas, o banco também pagaria juros a ela —um pouco mais de US$ 1 por mês, mas melhor que nada.

Esta é uma época estranha para os tomadores de empréstimos na Europa.

Os investidores emprestaram quase US$ 4 bilhões à Alemanha na última semana de fevereiro, sabendo que não seriam integralmente reembolsados. Papéis emitidos pela empresa suíça Nestlé foram recentemente negociados no mercado por um valor maior do que a remuneração que poderão oferecer.

Esses negócios de ponta-cabeça refletem as perspectivas econômicas sombrias da região, enquanto os políticos fazem o possível para retomar o crescimento, chegando inclusive a manter as taxas de juros abaixo de zero, para incentivar empréstimos (e gastos). “Esse é, obviamente, um fenômeno que você vê uma vez na vida e uma vez na história”, disse Heather Loomis, analista do JPMorgan Private Bank. “E é difícil de compreender.”

O crédito ao consumidor e os financiamentos imobiliários com taxas de juros negativas continuam sendo raros, e Christiansen parece estar entre os poucos que conseguiram isso. Alguns dinamarqueses estão precisando pagar para deixar seu dinheiro parado na conta corrente.

Para injetar fôlego na economia e estimular a inflação na Europa, as autoridades monetárias recentemente recorreram a uma medida drástica, já tentada por alguns outros bancos centrais. O Banco Central Europeu, que dita as políticas nos 19 países da zona do euro, anunciou um plano que envolve a emissão de dinheiro para comprar centenas de bilhões de euros em títulos públicos. Só a expectativa por esse programa já fez com que o preço dos títulos aumentasse e que o euro se desvalorizasse.

Outros países que não usam o euro foram então forçados a proteger o valor de suas moedas, a estimular empréstimos e a promover o crescimento. A Suíça, por exemplo, chocou os mercados ao abandonar o seu atrelamento cambial ao euro, além de reduzir os juros ainda mais abaixo de zero. O Banco Central da Dinamarca cortou sua taxa básica quatro vezes em um mês, para -0,75%. A Suécia fez o mesmo em fevereiro.

As mudanças mais profundas estão ocorrendo no mercado de títulos da Europa, que foi transformado em uma espécie de entidade beneficente, pelo menos para certos tomadores de empréstimos. O exemplo mais recente ocorreu quando a Alemanha emitiu títulos de cinco anos no valor de quase US$ 4 bilhões com juros negativos. Os investidores basicamente aceitavam receber de volta um pouco menos do que emprestaram.

Os títulos emitidos por Suíça, Holanda, França, Bélgica, Finlândia e até mesmo pela Itália também têm rendimentos negativos. Neste momento, cerca de US$ 1,756 trilhão em papéis emitidos por países da zona euro está sendo negociado com dividendos negativos, o que equivale a mais de um quarto do total de títulos públicos, segundo uma análise feita pela ABN Amro.

Os investidores estão tolerando esses rendimentos por causa da relativa segurança dos títulos numa economia fraca. Os operadores estão apostando que o preço dos títulos vai continuar subindo.

Em janeiro, a estudante dinamarquesa Ida Mottelson, 27, recebeu um e-mail em que seu banco informava que passaria a cobrar 0,5% para guardar o dinheiro dela. “Achei que eu havia entendido errado, mas não”, disse Mottelson, que faz mestrado em ciências da saúde e mora em Odense.

Ela disse que vinha acompanhando o noticiário sobre o Banco Central, mas ligou para o seu gerente para confirmar. “Pedi a ele, superingênua: ‘Pode me explicar isso?’. E ele tentou, mas fiquei com a sensação de que ele queria dizer: ‘Olha, tire o seu dinheiro daqui que vai ser melhor para você’”. Ela pretende transferir sua conta para outro banco.

Empresas e indivíduos podem começar a acumular dinheiro fora dos bancos normais se estes efetivamente passarem a cobrar quantias substanciais para manter as contas correntes. Grandes poupadores, por exemplo, podem optar por deixar seu patrimônio em instituições especiais que praticamente se limitam a armazenar dinheiro vivo.

“Há uma taxa de juros negativa a partir da qual se torna lucrativo estocar dinheiro”, disse James McAndrews, economista do Federal Reserve (o banco central dos EUA) em Nova York.

Para a maioria das pessoas, isso tudo pode parecer um pouco estranho. “Não sou especialista”, disse Mottelson, “mas para mim soa muito esquisito que você precise pagar para ter uma conta em banco”.

Colaboraram Signe Lene Christiansen e Jakob Binderup

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