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Birmaneses arriscam sua liberdade pelo humor

U Lu Maw durante espetáculo cômico na casa de sua família, em Mandalay (Mianmar); a sátira política é ilegal em espaços públicos do país | Mathieu Willcocks/The New York Times
U Lu Maw durante espetáculo cômico na casa de sua família, em Mandalay (Mianmar); a sátira política é ilegal em espaços públicos do país (Foto: Mathieu Willcocks/The New York Times)

Saindo de trás de uma cortina azul vagabunda na garagem da sua casa de três andares, nesta que é a segunda maior cidade de Mianmar, U Lu Maw, 66, subiu a um palco improvisado para praticar aquilo que faz de melhor: contar piadas.

“Não confio no governo”, gritou ao microfone, em inglês, para uma plateia de estrangeiros, em junho. “Os cupinchas gostam de levar as coisas de graça, tipo Jesse James [fora da lei do faroeste americano]. Um pessoal de dedos leves.”

Em seus trajes modestos —uma espécie de saia usada tradicionalmente pelos birmaneses, chamada “longyi”, e uma camiseta estampada com o nome da sua trupe de comediantes, “The Moustache Brothers” (os irmãos bigode),— Lu Maw conta piadas que lembram de forma sombria e incisiva como era a vida durante as décadas do repressivo regime militar em Mianmar (antiga Birmânia).

O grupo, ativo há mais de três décadas, é conhecido no país por fazer sátira política, atividade que ainda pode acarretar penas de prisão se for feito em idioma birmanês e em um local público. Desde 2001, os membros da trupe se apresentam nesta garagem, sete noites por semana, para plateias de até 40 estrangeiros, que pagam o equivalente a US$ 10 cada um.

Foram piadas como a dos “dedos leves” que levaram dois dos três artistas fundadores, U Par Par Lay e seu primo U Lu Zaw, a passarem cinco anos em um campo de trabalho forçado, no final da década de 1990. A trupe continuou ativa mesmo após a morte de Par Par Lay, que era irmão de Lu Maw e líder do grupo.

Só em 2011 o regime militar foi substituído por um governo semicivil, determinado a abrir o país.

Par Par Lay era um ativista pró-democracia e ávido defensor de Daw Aung San Suu Kyi, hoje a líder da oposição em Mianmar.

Ele morreu em agosto de 2013, aos 67 anos. A causa da morte não foi verificada, mas Lu Maw a atribui a uma infecção renal causada por anos de consumo de água contaminada em dois campos de prisioneiros.

“Meu irmão foi assassinado pelo governo, mas não só meu irmão —mais de 2.000 pessoas morreram”, disse ele, referindo-se a prisioneiros encarcerados pelo regime por quaisquer crimes.

Durante um evento do Dia da Independência na casa de Aung San Suu Kyi, em 1996, Lu Zaw e Par Par Lay apresentaram um arriscado tipo de sátira aos mais de mil apoiadores dela presentes no local, zombando da junta militar.

No show de junho, Lu Maw repetiu esse mesmo estilo de humor.

“Não temos remédios nem educação aqui”, disse ele à plateia. “Todo mundo morre de fome, menos o governo. Eles gostam de pegar as coisas. Então, quando você estiver na Birmânia, por favor, não roube —o governo não gosta de concorrência.”

Lu Zaw, 64, contou que ele e Par Par Lay foram presos por policiais militares na mesma noite da apresentação de 1996.

Quando Lu Zaw e Par Par Lay foram presos, os Moustache Brothers já eram tão conhecidos como ativistas da liberdade de expressão que a sua detenção provocou clamor internacional por parte de grupos de direitos humanos e de artistas americanos como Bill Maher e Rob Reiner, além de um abaixo-assinado organizado pela rede de cosméticos The Body Shop, que reuniu 3 milhões de assinaturas.

Em parte por causa desses esforços, a sentença foi reduzida de sete anos para cinco anos e sete meses. Em julho de 2001, os dois se juntaram novamente a Lu Maw e começaram a fazer shows todas as noites na casa deles.

Sem uma mudança no comando do governo, os riscos eram elevados. Ainda assim, eles se recusaram a recuar. Apesar de sempre haver policiais diante da casa, “os turistas e jornalistas continuaram chegando”, disse Lu Zaw, explicando que a presença de público estrangeiro provavelmente dissuadiu as autoridades de reprimir novamente os artistas. A polícia não está mais presente por lá.

Atualmente, a trupe é composta pelos dois membros sobreviventes, por suas mulheres e por cinco outros parentes.

Shows como esse já foram comuns em Mianmar, misturando pastelão apolítico e dança tradicional, uma junção conhecida como “a-nyeint pwe”. No entanto, a maioria das outras trupes se dissolveu há muito tempo.

“Os turistas exigem nossa presença, por isso não podemos parar”, afirmou Lu Maw. “Minha vida depende deles, e é por isso que eu não posso deixá-los.”

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