Em uma manhã de dezembro, Laura Cozzolino chegou à cafeteria que frequenta, no centro, e pediu o de sempre: um espresso.
Fez uma pausa para apreciar o aroma e bebeu tudo em dois goles mas em vez de pagar só que consumiu, deixou o suficiente para mais um, e o recibo, com o atendente. É o "caffè sospeso", ou "café suspenso", que fará a alegria de um estranho qualquer.
"É um ato simples e anônimo de generosidade. Sendo napolitana e fazendo força para me limitar a quatro xícaras por dia, sei quanto o café é importante. É um pequeno mimo a que todos deveriam ter direito", diz a funcionária de uma companhia de produtos médicos de 37 anos.
O "café suspenso" é uma tradição local criada durante a Segunda Guerra Mundial e que ressurgiu há alguns anos como resultados dos tempos de vacas magras.
E de Nápoles, graças ao boca a boca e à Internet, o gesto se espalhou pela Itália e ao redor do mundo, em cafeterias de lugares tão distantes como Suécia e Brasil. Em alguns a generosidade agora se estende à pizza ou sanduíche, e até mesmo livros.
Em tempos difíceis, os italianos podem abrir mão de muita coisa, mas o café não é uma delas: mais de 90 por cento das famílias do país consome a bebida em casa e há uma cafeteria para cada 490 pessoas.
O espresso aparece sob muitas formas: ristretto (forte), lungo (mais diluído), macchiato ou schiumato (com um pouco de leite ou espuma) e corretto (com um pouquinho de bebida alcoólica) e seu consumo é um ato solitário realizado ao balcão que não dura mais de alguns minutos.
Em 2010, um grupo de pequenos festivais culturais italianos criou a Rede do Café Suspenso.
O objetivo era amenizar os cortes drásticos no orçamento estatal para a cultura com a organização e promoção de suas próprias atividades, mas também fez surgir iniciativas de solidariedade para os mais carentes, como a doação de um café.
Agora os bares e cafeterias da Itália que fazem parte da rede exibem um selo especial nas vitrines, que mostra uma xícara de espresso branca contra um fundo preto e marrom.
Em alguns, os clientes depositam os recibos em uma cafeteira vazia que fica no balcão e a pessoa que não pode pagar só tem o trabalho de chegar e pegar; em outros, o cliente paga adiantado pela xícara extra e os funcionários a acrescentam a uma lista ou penduram os recibos na vitrine.
Com os mais vulneráveis sentindo o peso da longa crise econômica, algumas casas nas cidadezinhas do sul resolveram estender a gentileza para um sanduíche ou até mais para quem não pode pagar.
Em 2013, a livraria Feltrinelli começou a encorajar os clientes a comprar um livro e deixar para os leitores em dificuldades, que poderiam retirá-los em qualquer filial.
O mesmo aconteceu em 2012 na pizzaria Da Concettina ai Tre Santi, que criou um logotipo para a "pizza suspensa" e o imprimiu em suas toalhas de mesa de papel. Toda semana consegue entregar pelo menos quinze redondas grátis aos pobres.
Entretanto, em Nápoles, com sua rica diversidade de bairros, as cafeterias funcionam mais como um ponto de encontro para todos: políticos, famílias inteiras, artistas de rua, executivos e mendigos.
"O café em Nápoles é uma desculpa para bater papo e contar histórias, nada a ver com a pressa das outras cidades italianas", afirma Bruno La Mura, um dos donos da Spazio Nea, que funciona como cafeteria, galeria de arte e espaço de exposição.
"Aqui não se bebe café; ele é tomado, como se faz com remédio. Para mim, a filosofia do café suspenso é a seguinte: se você está feliz hoje, oferece um café ao mundo de presente", explica seu sócio, Luigi Solito.
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