Poucas figuras da literatura americana tiveram uma período após a morte tão controverso quanto Robert Frost.
Mesmo antes de sua morte em 1963, ele foi canonizado como um filósofo da vida no campo, adorado por um público que cresceu lendo poemas seus como "Bétulas" e "A estrada não trilhada".
Porém, essa imagem logo foi obscurecida por outra, propagada por uma biografia escrita por Lawrance Thompson, cronista escolhido a dedo por Frost, para quem o poeta teria sido "um monstro do egoísmo" que deixou para trás "um rastro de destruição de vidas humanas", como disse a crítica Helen Vendler em 1970.
O retrato traçado por Thompson encontrou eco mais recentemente em um conto de Joyce Carol Oates, que mostra Frost como um velho repugnante que rebateu agressivamente as afirmações de uma entrevistadora que o acusou de arrogância, racismo e brutalidade psicológica em relação aos seus filhos.
Agora, no entanto, um novo trabalho acadêmico pode pôr fim ao "mito monstruoso" de Frost, como descrevem os especialistas. No final deste mês, a Harvard University Press publicará "As Cartas de Robert Frost", uma edição de quatro volumes que promete oferecer o mais completo retrato do escritor já feito até hoje.
"Há muito tempo existe a ideia de que Frost era hipócrita, alguém que mostrava uma cara para o público e reservava a outra à vida pessoal", disse Donald Sheehy, professor da Universidade de Edinboro, na Pensilvânia, que editou as cartas com Mark Richardson e Robert Faggen. "Essas cartas vão acabar com essa suposição. Frost tem os seus momentos de oscilação de humor, os seus inimigos e as coisas que o tiravam do sério, mas o que mais chama a atenção nele é um espírito generoso."
A correspondência, dizem os estudiosos, vai apresentar Frost na íntegra, revelando um homem complexo que fazia malabarismos para conciliar uma fama extraordinária e uma vida pessoal extremamente difícil (que incluiu quatro filhos que morreram antes dele, sendo que um deles faleceu em decorrência de um suicídio), um sagaz formador da própria identidade que pode ter cultivado a imagem de um homem rústico, apegado a bétulas, mas que foi um modernista tão inovador quanto T.S. Eliot e Ezra Pound.
"A imagem de Frost como ciumento, mesquinho, misógino e carreirista é uma loucura", disse Jay Parini, biógrafo de Frost, que não teve envolvimento com o projeto.
A nova coleção terá centenas de cartas pouco conhecidas ou totalmente desconhecidas que foram descobertas definhando em arquivos mal catalogados, escondidas em livros ou esquecidas em sótãos. Uma série de cartas foi encontrada em uma mesa doada a um brechó de New Hampshire.
O primeiro volume começa em 1886, com um bilhete encantador escrito por Frost aos 12 anos para uma paixão de infância, e o acompanha até o casamento com a esposa, Elinor; passa por uma década difícil como agricultor em New Hampshire; por três anos na Inglaterra, chegando à sua volta para casa em 1915, quando ele finalmente despontou como astro da literatura com o sucesso de sua segunda antologia, "Ao norte de Boston".
Há pouca troca de cartas com familiares (até onde se sabe, nenhuma carta para Elinor sobreviveu). Também são poucas as que tocam em assuntos difíceis de família. Entretanto a coleção mostra com clareza a profunda ambição e confiança de Frost: "Para ser sincero com você, considero-me um dos artesãos mais notáveis do meu tempo", escreveu ele em 1913 além da preocupação em proteger a sua família de intrusões. ("Não gostei nem um pouco das informações equivocadas que ela passou sobre Elinor", escreveu ele em resposta a um artigo da poeta Amy Lowell. "Foi uma tentativa imperdoável de retratá-la como a mera companheira de um gênio.")
As cartas mostram o prazer de Frost por ter conquistado a tão suada fama, mas também seu ressentimento. "Vinte anos atrás, eu dei uma oportunidade para algumas dessas pessoas", escreveu ele em 1915, referindo-se àqueles que tinham se tornado seus admiradores há pouco tempo. "Eu queria ser rico e independente o suficiente para mandá-los para o inferno."
O recente conto de Oates deixou indignados membros da família Frost e o coeso círculo de especialistas do poeta. Mesmo para algumas pessoas não ligadas a Frost, a narrativa pode reavivar a ideia de que Frost foi cruel ao acabar com as ambições poéticas de seu filho Carol, que cometeu suicídio em 1940.
"As cartas para Carol são extremamente comoventes", disse o escritor Brian Hall, autor de "A queda de Frost", uma ficcionalização da vida do poeta, publicada em 2008. "Vemos Frost tentando inclinar o filho discretamente para outras direções, e, ainda assim, esforçando-se apoiá-lo da melhor maneira possível como pai."
Essas cartas e outras correspondências de família estarão em futuros volumes, que também tocam em alguns dos temas mais delicados da biografia de Frost, incluindo a internação de sua filha Irma em um hospital psiquiátrico e a relação com Kathleen Morrison, a mulher casada que se tornou sua secretária e, dizem alguns, amante depois da morte de Elinor, em 1938.
Para os editores, a verdadeira revelação trazida pelo primeiro volume é o grande poder de fogo intelectual que Frost traz a uma simples carta.
"Frost não costuma ser considerado um poeta caracterizado pelo intelecto, mas isso porque ele revela seus aprendizados com muita elegância", disse Sheehy. "As pessoas podem se surpreender com o quanto ele era inteligente."
INTERNET: A estrada de voltaImagens de um novo trabalho acadêmico sobre Robert Frost:nytimes.com Busque cartas de Frost
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