Desde que sua vizinha idosa se mudou, há dez anos, Yoriko Haneda poda regularmente os arbustos e apara o gramado estreito da casa vazia.
Porém, o trabalho voluntário não se estende a que fica duas portas para baixo. Aquela está abandonada. De fato, dezenas de residências nesse bairro de encosta, a cerca de uma hora de carro de Tóquio, estão às moscas.
Apesar da aversão nacional ao desperdício, os imóveis negligenciados estão se espalhando pelo Japão feito praga no jardim. Segundo o governo, cerca de oito milhões estão desocupados e quase metade desse número foi completamente esquecida, pois não estão nem à venda, nem para alugar.
Essas estruturas fantasmas são o sinal mais explícito de retração humana em um país cuja população está prevista para cair até um terço nos próximos 50 anos. E a pressão demográfica pesa na economia japonesa, pois a mão de obra pequena tem dificuldade em trabalhar para cobrir a parte dos idosos – e já gera intenso debate em relação às possíveis soluções, ou seja, estimular a imigração ou as mulheres a terem mais filhos. A maioria dos imóveis vazios foi herdada por gente que não tem uso para eles, mas tampouco pode vendê-los. A demolição envolveria a questão de quem arcaria com as despesas. O governo aprovou uma lei este ano para promover a derrubada das que estiverem em pior estado, mas os especialistas dizem que isso não impediria uma nova leva.
O fenômeno já se espalha através das cidades regionais e os subúrbios das maiores metrópoles. Mesmo na capital, a proporção de casas desocupadas está crescendo. Relativamente perto de Tóquio e das bases navais e montadoras de automóveis, Yokosuka atraiu milhares de jovens em início de carreira, à procura de estabilidade na época do crescimento econômico posterior à Segunda Guerra Mundial. A terra era rara e cara e, por isso, os recém-chegados construíram moradias simples e pequenas.
Hoje eles se transformaram em aposentados e pouca gente, inclusive seus filhos, quer assumir as residências em que viviam. “Os filhos vivem em arranha-céus modernos no centro de Tóquio; para eles, a ‘casa da família’ é um peso e não um bem”, explica Tomohiko Makino, um perito imobiliário.
A prefeitura de Yokosuka está estimulando os proprietários a reformá-las e colocá-las em um “banco de casas vazias”, para exibir as ofertas com que os corretores comerciais não lidam; entretanto, só uma foi vendida até agora – uma estrutura de madeira térrea de 60 anos, com jardim pequeno, anunciada por 660 mil ienes ou US$5.400. As que ficam em locais mais íngremes, contudo, podem ser arrematadas por algumas centenas de dólares.
Quatro foram alugadas, inclusive uma para alunos do curso de Enfermagem da faculdade próxima, que receberam também um desconto para cuidar dos idosos da região. A Echigo-Tsumari Art Field assumiu alguns prédios antigos e os transformou em obras de arte. Os visitantes podem passar a noite na “Casa de Sonhos” criada pela artista performática Marina Abramovic.
A solução mais drástica para as residências abandonadas é a demolição, mas os proprietários nem sempre são fáceis de localizar e com frequência se mostram relutantes em pagar os custos da operação.
A casa de que Yoriko cuida é da família de Mioko Utagawa, 74 anos, que vive a dez minutos dali, no sopé da colina. Seu marido comprou o imóvel para uma tia, nos anos 70, que hoje se encontra em uma casa de repouso. Os parentes continuam pagando os impostos territoriais, mas não mexem na estrutura.
“Mesmo que a gente arrume, ninguém vai querer”, filosofa Mioko.
Recentemente os Utagawa concordaram em demolir a casa depois que a prefeitura se ofereceu para subsidiar o custo, que é de aproximadamente três milhões de ienes (US$25 mil).
Hidetaka Yoneyama, especialista em moradia do Instituto de Pesquisa Fujitsu, explica que, até pouco tempo atrás, as casas no Japão eram construídas para durar apenas trinta anos, depois dos quais deveriam ser demolidas e reconstruídas.
“Na época de grande crescimento, esse arranjo satisfazia todo mundo”, afirma, acrescentando que, em vinte anos, mais de 25 por cento das casas do Japão podem estar vazias. “Agora a história é outra. A população está diminuindo e ninguém quer morar nessas casas velhas.”
Contribuiu Hisako Ueno.
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