Depois de décadas mantendo uma força nuclear mínima, a China reformou muitos de seus mísseis balísticos de longo alcance para que eles possam carregar diversas ogivas. Segundo autoridades americanas e analistas políticos, essa decisão busca dissuadir os EUA do intuito de utilizar uma defesa antimísseis mais robusta no Pacífico.
A tecnologia de miniaturizar ogivas e colocar três ou mais no nariz de um único míssil está ao alcance de Pequim há décadas. Ainda assim, muitos líderes chineses decidiram não a utilizar.
O presidente Xi Jinping fez outra escolha. Além disso, passou a construir campos de pouso militares em ilhas disputadas no mar do Sul da China, declarando “zonas de identificação de defesa aérea” exclusivas. Ele também enviou submarinos chineses ao golfo Pérsico e criou um novo arsenal de poderosas armas cibernéticas.
Muitos desses passos pegaram de surpresa as autoridades americanas, especialmente depois que órgãos de inteligência previram que Xi se concentraria no desenvolvimento econômico.
O Departamento de Defesa dos EUA revelou esse novo programa nuclear em seu relatório anual ao Congresso sobre as capacidades militares chinesas. O secretário de Estado John Kerry viajou recentemente a Pequim para discutir questões de segurança e economia, mas não ficou claro se esse avanço com os mísseis estava em sua agenda.
O presidente Barack Obama sofre pressões para empregar sistemas de defesa antimísseis no Pacífico, embora a política americana declare oficialmente que esses interceptadores são para enfrentar a Coreia do Norte.
Ao mesmo tempo, o presidente tenta sinalizar que vai resistir aos esforços chineses para intimidar seus vizinhos, entre eles aliados de Washington. Já se fala no Departamento de Defesa em acelerar a iniciativa de defesa antimísseis e enviar navios militares para águas internacionais próximas às ilhas em disputa, para deixar claro que os EUA vão insistir na livre navegação.
Hans M. Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear na Federação de Cientistas Americanos, chamou as novas ogivas chinesas de “uma má notícia para a contenção nuclear”.
Para as autoridades americanas, a decisão da China se enquadra na rápida transformação da estratégia do país sob Xi, hoje considerado um dos mais poderosos líderes desde Mao Tsetung. Os esforços chineses para recuperar terras em ilhas disputadas no mar do Sul da China salientaram, para os americanos, a determinação de Xi de empurrar os potenciais concorrentes para o Pacífico médio.
A China buscou tecnologias para bloquear os satélites de vigilância e de comunicações americanos, e seus principais investimentos em cibertecnologia são vistos pelas autoridades americanas como uma maneira de ao mesmo tempo roubar propriedade intelectual e preparar-se para um futuro conflito. A modernização das forças nucleares se encaixa nessa estratégia.
“A China se prepara para concorrer com os EUA a longo prazo”, disse Ashley J. Tellis, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional. As forças nucleares americanas hoje superam as chinesas em oito para um. A escolha de quais mísseis atualizar foi notável, disse, porque a China optou por “um dos poucos que podem alcançar os EUA”.
Os EUA foram pioneiros em ogivas múltiplas no início da Guerra Fria. Na teoria, um míssil poderia lançar ogivas que adaptariam suas trajetórias de modo que cada uma buscasse um alvo diferente. O nome desse avanço técnico —veículo de reentrada múltipla independentemente dirigido, ou MIRV na sigla em inglês— tornou-se um dos mais temíveis da Guerra Fria. Cada veículo de reentrada era uma bomba de hidrogênio em miniatura, mais destrutivo que a arma que arrasou Hiroshima.
Em 1999, durante o governo Clinton, os congressistas republicanos acusaram espiões chineses de terem roubado o segredo da miniaturização da bomba H. Mas agências de inteligência notaram a contenção de Pequim. “Há 20 anos a China tem a capacidade técnica de desenvolver” mísseis com múltiplas ogivas, relatou a CIA.
O cálculo mudou em 2004, quando o governo Bush começou a utilizar um sistema antimísseis baseado em terra, no Alasca e na Califórnia. No início de 2013, o governo Obama, preocupado com os avanços nucleares da Coreia do Norte, ordenou uma modernização. Analistas veem a adição de diversas ogivas pela China como uma resposta pelo menos parcial às medidas antimísseis de Washington.
O relatório do Departamento de Defesa, divulgado em 8 de maio, disse que a arma mais poderosa de Pequim hoje transporta ogivas MIRV. Analistas dizem que cada míssil balístico intercontinental atualizado provavelmente recebeu três ogivas e que os avanços poderão abranger a metade da força de mísseis. Nesse caso, o número de ogivas que a China pode disparar dessa arma contra os EUA aumentou de 20 para cerca de 40.
Kristensen disse que a nova participação de Pequim no “clube MIRV abala a credibilidade da garantia oficial da China de que o país só quer ter um dissuasor nuclear mínimo, não participar de uma corrida armamentista nuclear”.