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As restrições à internet na China limitam o acesso a informações sobre os acontecimentos mundiais, como as autoimolações no Tibete | AP/The New York Times
As restrições à internet na China limitam o acesso a informações sobre os acontecimentos mundiais, como as autoimolações no Tibete| Foto: AP/The New York Times

No outono boreal de 2011, eu conversava com um amigo sobre o Tibete. “Sabia que os tibetanos estão ateando fogo a si mesmos?”, perguntou ele.

Eu havia vivido de 2005 a 2008 em Lhasa, a capital tibetana, mas nunca ouvira falar de atos de autoimolação. Meu amigo me contou detalhes horríveis e depois acrescentou: “Todo mundo para lá da muralha sabe disso. Um escritor que se preocupa com a China, mas que não passa por cima da muralha, sofre de uma deficiência moral. Você não deveria deixar uma muralha decidir o que você sabe”.

Quando o meu amigo disse “para lá da muralha”, estava se referindo à famosa Grande Muralha Digital da China, um projeto criado pelo governo por volta de 1998 para rastrear e bloquear conteúdos da internet.

Passados 17 anos, esse firewall se tornou uma frustrante peculiaridade cotidiana que divide o mundo chinês em dois.

Um desses mundos defende a livre informação e o intercâmbio de ideias, enquanto o outro é pela censura e pelo monitoramento. Essa muralha digital transforma a China numa prisão informativa, onde a ignorância favorece ideologias de ódio. Se o firewall existir indefinidamente, a China acabará voltando a ser o que já foi: um Estado isolado, bitolado, beligerante e mal visto.

Naquele dia de 2011, meu amigo me ajudou a instalar um software de rede privada virtual —algo que chamamos de “escada”, pois permite ao usuário saltar a muralha. Com minha “escada” instalada, pude navegar na internet sem restrições.

Muitos chineses sabem mais sobre a história antiga do país do que sobre fatos das últimas décadas. Eu, antes de acessar a web livre, era parte dessa massa de ignorantes. Debruçar-me sobre a muralha pela primeira vez abriu uma janela para outro mundo.

Encontrei muita coisa perturbadora. Um dos primeiros materiais que procurei foram os relatos e fotos chocantes das autoimolações dos tibetanos. Aí busquei informações sobre a história recente da China: a Campanha Anti-Direitista de 1957-1959, em que centenas de milhares de intelectuais foram perseguidos, a Grande Fome de 1958-1962, a Revolução Cultural de 1966-1976 e os assassinatos da Tiananmen, em junho de 1989.

Muitos chineses sabem que não estão livres on-line, mas aceitam isso. Os jogos e as redes sociais mantêm todos ocupados. Pouca gente sabe do que sente falta.

Minha primeira rede privada virtual, ou VPN, foi fechada pelas autoridades três meses depois. Mas, em 2011 e 2012, ainda era fácil encontrar uma nova “escada”. Eu podia pedir ajuda no Weibo, e as pessoas me enviavam diretamente soluções de software antifirewall. Se eu me complicasse muito, amigos me ajudavam a instalar o novo software. Em 2014, eu já havia criado seis “escadas” diferentes.

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Pelas minhas contas, dos 30 sites mais visitados do mundo, 16 são inacessíveis na China, incluindo Facebook e Google. Em alguns casos, como o do Google, as empresas de internet não estão dispostas a cooperar com o programa governamental de vigilância. Muitos serviços da web são bloqueados, ao que parece, sem nenhuma razão exceto serem estrangeiros.

Quase todos os sites bloqueados têm homólogos chineses. Em vez de Google, há o Baidu. Se não temos Twitter, podemos usar o Weibo. Há plataformas nacionais para compartilhar fotos e vídeos pessoais. O governo espera fomentar uma sociedade digital que não se preocupe com política ou atualidades. Tem sido muito bem-sucedido, mas o firewall e seus arquitetos ainda enfurecem boa parte da população on-line.

Todo mundo odeia a mensagem de erro “404 Not Found”. Quando ela aparece, muitos amaldiçoam o pai da Grande Muralha Digital, Fang Binxing, o ex-diretor da Universidade dos Correios e Telecomunicações de Pequim.

A palavra “muralha” agora está sendo usada de forma criativa. Se a sua conta de internet é cancelada, ela foi “murada”. Se você é preso, tem sua liberdade cerceada, as suas mensagens excluídas, também são casos em que você foi “murado”.

Atualmente, estão colados por todo o país cartazes com o slogan “Por que a China é forte? Só por causa do partido”. A palavra chinesa para “forte” (qiang) é homônima da palavra que designa “muro”, o que inspira pessoas subversivas a lerem o slogan como “Por que a China é murada? Só por causa do partido”.

A tecnologia de firewall do governo se torna cada vez mais sofisticada, e as fissuras na muralha digital estão menores. Quase todos os dias, um novo provedor de VPN é fechado, ficando cada vez mais difícil encontrar uma opção confiável em longo prazo.

Esse é um aspecto do fato de haver cada vez menos espaço para a dissidência. Nos últimos 18 meses, 12 amigos meus foram presos, incluindo acadêmicos, advogados e jornalistas. A internet era o principal canal de comunicação deles.

No fim das contas, esta é uma guerra entre a tecnologia de vigilância e a tecnologia da internet. Mas é difícil imaginar que um governo que se opõe à criatividade possa sempre levar vantagem.

Murong Xuecun é autor, entre outros, do romance “Deixe-me em Paz”.

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