Quando, três anos atrás, dois empresários de Cingapura propuseram a companhias de teatro locais a ideia de uma ópera contemporânea sobre o fundador da cidade, as reações foram de ceticismo.
“Minha primeira reação foi: ‘Sério mesmo, vocês querem que L.K.Y. cante?’”, disse Gauray Kripalani, diretor artístico do Teatro de Repertório de Cingapura, aludindo ao estadista Lee Kuan Yew, morto em março aos 91 anos.
Muitos moradores desta ilha-cidade de cerca de 5,6 milhões de habitantes reagiram de modo semelhante à ideia de que um político conhecido por seu pragmatismo extremo —alguém que certa vez insistiu que “a poesia é um luxo ao qual não podemos nos dar”— pudesse ser representado cantando baladas e executando coreografias complicadas sobre um palco.
Mas o espetáculo, que estreou em julho e terminou sua temporada em 16 de agosto, lotou o teatro, vendendo pelo menos 54 mil ingressos para 34 apresentações. Os produtores Tan Choon Hiong e Alvin Tan, que montaram o musical com o Teatro de Repertório de Cingapura, falam em levá-lo em turnê no exterior.
“The LKY Musical” não foi uma ópera, mas uma produção ágil, com duas horas de duração, que conta a história do início da carreira política de Lee, desde a ocupação japonesa de Cingapura —então colônia britânica— nos anos 1940, até a curta fusão do país com a Malásia e sua independência em 1965. “Sim, é propaganda política —não dá para contar a história de Lee e de Cingapura e evitar fazer propaganda”, disse Adrian Pang, que representou Lee no espetáculo. “Mas, considerando que é algo que poderia ter sido um desastre total —e havia um exército de pessoas prontas a atirar pedras—, acho que conseguimos fazer a crítica rever suas posições.”
Parece ter havido, no entanto, ingerência do governo na produção. Um integrante do elenco escreveu em um blog que os roteiristas foram “muito abertos a sugestões” do Ministério das Comunicações e da Informação.
Lee Kuan Yew, que foi premiê de Cingapura de 1959 a 1990, e seu filho Lee Hsien Loong, premiê atual, foram criticados por não tolerarem oposição política. Os limites rígidos à liberdade de expressão voltaram a ganhar destaque neste ano quando um blogueiro de 16 anos, Amos Yee, foi detido depois de postar um vídeo sobre Lee.
A história do musical começa em 1965. Em seguida, ela retrocede duas décadas para o tempo de faculdade de L.K.Y., quando ele conheceu aquela que se tornaria sua mulher, Kwa Geok Choo (representada por Sharon Au). A tensão dramática principal ocorre entre Lee e Lim Chin Siong (Benjamin Chow), o sindicalista que ajudou Lee a criar seu partido político, o Partido da Ação Popular.
Lim foi encarcerado por Lee depois de fundar seu próprio partido, de viés mais esquerdista. Sua prisão fez parte de uma onda de repressão lançada pelo partido de Lee contra a oposição em 1963.
O musical culmina com o discurso lacrimoso feito por Lee em 1965, depois de Cingapura ser expulsa da federação da Malásia.
Os produtores disseram que tiveram que submeter o roteiro ao aval do governo para obter a licença para encenar o musical. Alguns críticos alegam que o resultado aderiu à versão oficial dos fatos e inflou o peso de L.K.Y., minimizando a importância de outras figuras na história de Cingapura.
A equipe de produção disse que a intenção do musical foi ser uma homenagem, não um relato histórico crítico. “Eu senti que precisávamos tomar grande cuidado com os fatos”, comentou a romancista Meira Chand, autora da história sobre a qual o roteiro se baseia. “Ao mesmo tempo, não estávamos escrevendo uma biografia ou um drama. Estávamos escrevendo uma história para um musical.”