Quando as autoridades do Ocidente e do Iraque falaram sobre o Estado Islâmico, em abril, foi mais para listar sua série de pequenos reveses: derrotado na cidade síria de Kobani, castigado por uma campanha aérea pesada, expulso de um número cada vez maior de cidades e vilarejos iraquianos.
Só que, nas últimas semanas, o grupo terrorista solidificou sua posição na província de Anbar com um ataque à capital regional, Ramadi – e já estende seu território na Síria à importante cidade de Palmira. Ambas as ofensivas se tornaram uma exibição repentina da disciplina à sua filosofia básica: a de sempre lutar em frentes múltiplas, cometer atrocidades para minar qualquer resistência e trabalhar em prol do califado, em plena região sunita, que se estende pela fronteira Iraque-Síria.
Dentro do Iraque, a ofensiva do grupo começou a tomar forma quase que imediatamente após a vitória do governo, em abril, na cidade central de Tikrit. Seus membros puseram em prática campanhas de pressão simultâneas na maior refinaria de petróleo do país, em Baiji, a norte de Bagdá, e Ramadi. Em Diyala, orquestrou a fuga de um presídio.
“O objetivo das operações agora parece se concentrar no enfraquecimento das forças de segurança iraquianas e em garantir sua dispersão depois do início da investida mais pesada contra Ramadi”, diz Jessica Lewis McFate, analista do Instituto para o Estudo de Guerra, organização de pesquisa em Washington que defende uma resposta mais energética dos EUA.
E quando o ataque começou, em 14 de maio, lançou mão de recursos preparados com muita antecedência, desencadeado com tamanha violência que acabou com qualquer resistência local que poderia haver. Os militantes enviaram dez veículos carregados de bombas, cada um com um poder explosivo equivalente a 2.300 kg de TNT.
Quarteirões inteiros foram destruídos. Segundo testemunhas, “células adormecidas” de defensores do EI se manifestaram, ajudando o grupo a rapidamente assumir o controle, com seus membros avançando sobre novas partes de Ramadi. Os sunitas locais que tinham defendido a cidade durante quase um ano e meio saíram às pressas, em 17 de maio.
Para o Secretário de Defesa dos EUA, Ashton B. Carter, as forças iraquianas demonstraram “falta de vontade de lutar” contra o EIIL.
Só que o Estado Islâmico não parou por aí, conquistando novos territórios na Síria também. Ao tomar Palmira, pela primeira vez tomou uma cidade das forças do governo. Ali, o grupo parece ter usado um arsenal mais simples – grupos de soldados, tanques e armas antiaéreas montadas sobre caminhões – contando com a fragilidade do inimigo e o terror que consegue instilar com suas atrocidades.
Vários dias antes da ofensiva principal à cidade, o EI decapitou dezenas de soldados, partidários do governo e suas famílias em um vilarejo das proximidades e espalhou as imagens pelo mundo. E também fez questão de escolher seu alvo com cuidado: Palmira tem uma população relativamente pequena para abastecer e controlar, mas com acesso a novos campos de petróleo e gás, uma rede vital de estradas e um sítio arqueológico antigo que oferece oportunidade de promoção de sua doutrina e o tráfico de antiguidades.
Com as ofensivas, conseguiu se estabelecer ainda mais em um território cuja geografia desértica e população desesperançada contribuem a seu favor.
“O EIIL já se estende além de seus limites e está se estabelecendo em áreas que pode controlar com mais eficácia. Historicamente, sua área de ação fica entre Falluja, Ramadi, Anbar e Mosul”, explica Brian Fishman, analista do contraterrorismo da Fundação Nova América.
Com a vitória em Ramadi, o Estado Islâmico se apoderou do último grande centro da região árabe sunita e, com a invasão em Palmira, conseguiu expandi-lo.
Hassan Hassan, autor de “ISIS: Inside the Army of Terror” (EIIL: Dentro do Exército do Terror”), viu na mudança um desafio ainda maior para os inimigos do grupo. “Vai ser muito difícil conquistar ou retomar essas áreas porque na população local praticamente não há resistência.”
O EIIL tem se mostrado habilidoso ao se aproveitar do ressentimento sunita contra o governo xiíta em Bagdá e a liderança alauíta em Damasco.
“A única solução para a situação agora seria organizar governos nacionais de reconciliação, no Iraque e na Síria, o que já é praticamente impossível, ou seja, o EI vai permanecer na região que vai de Raqqa a Mosul”, afirma Jalal Zein al-Din, jornalista sírio que faz parte de uma agência de notícias antigovernista.
O EIIL se vê em conflito constante com os inimigos à sua volta em uma zona de controle em mudança permanente, e não um local delimitado.
“Em seu conceito, o califado se resume ao povo no território que pode controlar; não tem nada a ver com uma área geográfica fixa. Para eles o que vale é o compromisso com o califa”, conclui Fishman.
Contribuíram Emmarie Huetteman, Omar Al-Jawoshy, Hwaida Saad e Maher Samaan