Em 1980, Bob Dylan se apresentava em San Francisco quando falou sobre o cantor folk conhecido como Lead Belly. Ele explicou que Lead Belly tinha sido um prisioneiro do Texas e que seu talento havia sido descoberto por um musicólogo. “No início, ele fazia apenas canções de prisioneiro e coisas do gênero”, disse Dylan.
“Ele tinha saído da prisão havia algum tempo quando decidiu fazer canções para crianças. As pessoas disseram: ‘Oh, por que Lead Belly mudou?’ Algumas gostavam das canções antigas. Algumas gostavam das novas. Algumas gostavam das duas.” “Mas ele não mudou”, concluiu Dylan, com ênfase. “Era o mesmo homem.”
Lead Belly, que morreu em 1949, projetou uma sombra gigantesca na música que veio depois dele, influenciando diretamente artistas, como Dylan e Kurt Cobain, com sua versatilidade, sua voz grave cheia de poder e emoção e seu estilo pioneiro na guitarra de 12 cordas. Já seu passado criminoso ofereceu um guia para a apresentação de artistas do rock e do hip-hop.
Agora vem o lançamento de “Lead Belly: The Smithsonian Folkways Collection”, coleção de cinco discos que é a primeira visão abrangente de sua carreira extensa e monumental.
Em 2 de março, “Legend of Lead Belly” [A lenda de Lead Belly], um novo documentário que serve de companhia para a coleção, estreou no canal Smithsonian. Um show de grandes artistas em homenagem a Lead Belly está programado para 25 de abril no Centro Kennedy, em Washington.
Nascido Huddie Ledbetter na Louisiana em 1888, Lead Belly cantou uma variedade de estilos surpreendente —blues, canções de trabalho e sucessos pop. Suas obras se baseavam nas notícias do dia ou em antigos jogos e cantos.
Canções associadas a Lead Belly, sejam composições próprias ou suas gravações de material tradicional, foram regravadas por vocalistas de estilos tão diferentes quanto Frank Sinatra e Tom Waits. Van Morrison, que invocou repetidamente o nome do cantor como uma espécie de talismã em suas letras, escreveu: “Lead Belly ainda é uma poderosa inspiração. Talvez mais relevante hoje do que nunca”.
Lead Belly entrou e saiu da prisão quando tinha 20 e poucos anos e recebeu uma sentença de 35 anos em 1918 pelo assassinato de um parente em uma briga por causa de uma mulher.
O governador Pat Morris Neff, do Texas, que costumava levar convidados à prisão aos domingos para ouvir Lead Belly cantar, perdoou o condenado depois que ele serviu sete anos. Mas, em 1930, Lead Belly foi novamente enviado à prisão, na Louisiana, depois de esfaquear um homem durante uma briga. Essa não foi sua última detenção ou condenação.
Em 1933, os musicólogos John e Alan Lomax foram àquela prisão como parte de uma iniciativa para coletar canções folclóricas.
Lá, eles gravaram Lead Belly pela primeira vez.
Quando Belly foi libertado, no ano seguinte, foi contratado por John Lomax. Em 1940, vivia em Nova York, apresentando-se como parte da cena de música folk.
“Lead Belly ainda representa o ‘sonho americano’ —a ideia ingênua que nós americanos temos de que tudo é possível”, disse o jovem roqueiro-blues Benjamin Booker.
Mas rever a história de Belly também nos lembra que sua imagem foi comercializada como uma espécie de rapper protogângster, fortemente apoiada na autenticidade de seu passado criminoso.
Com frequência, ele era convidado a se apresentar usando macacões ou mesmo roupas listradas da prisão.
“Lead Belly tinha aquela imagem de trabalhador e prisioneiro, o negro oprimido do sul que podia contar histórias”, disse Robert Santelli, diretor do Museu do Grammy.
“Ele percebeu o valor daquela imagem e muitas vezes a adotava, ainda que a reprovasse. Ele preferia ser fotografado e tocar vestindo terno.”
