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HISTÓRIA

Como um norueguês frustrou as ambições nucleares de Hitler

Joachim Ronneberg em sua casa. Norueguês é o único integrante ainda vivo da equipe que destruiu a fonte de água pesada dos nazistas | MAURICIO LIMA/NYT
Joachim Ronneberg em sua casa. Norueguês é o único integrante ainda vivo da equipe que destruiu a fonte de água pesada dos nazistas (Foto: MAURICIO LIMA/NYT)

Para um homem que salvou o mundo, ou pelo menos ajudou a garantir que Adolf Hitler nunca pusesse as mãos em uma bomba nuclear, Joachim Ronneberg, de 96 anos, tem uma visão surpreendentemente modesta das forças que moldaram o curso da história.

“Teve muita coisa que foi sorte, acaso mesmo. Não tínhamos plano nenhum. Só torcemos, esperando que acontecesse o melhor”, conta o herói de guerra mais condecorado da Noruega sobre a missão de sabotagem que explodiu uma usina norueguesa, em 1943, essencial para o programa nuclear da Alemanha nazista.

Líder e único membro ainda vivo do comando que destruiu a única fonte de água pesada – fluido raro necessário para a produção de armas nucleares – dos nazistas, Ronneberg viu suas façanhas registradas em uma superprodução, em 1965, “Os Heróis de Telemark”, estrelada por Kirk Douglas, além de ter recebido inúmeras condecorações e ser homenageado, ainda que tardiamente, com uma estátua e espaço em um museu em sua cidade natal, na costa oeste da Noruega.

M.R.D. Foot, historiador oficial do serviço britânico de sabotagem e inteligência, a Executiva de Operações Especiais, que organizou a missão de Ronneberg, descreveu o ataque à usina da Norsk Hydro como um “golpe que mudou o rumo da guerra e merecia a gratidão eterna da humanidade”.

Só anos depois é que Ronneberg veio a entender o verdadeiro objetivo e importância do trabalho. Segundo ele, tudo o que os britânicos lhe disseram antes de deixá-lo no topo de uma montanha coberta de neve foi que uma série de tubulações da usina Vemork tinha que ser destruída.

“Só falaram que era importante que os tubos fossem bombardeados”, explica, relembrando as aventuras de guerra na sala de estar de sua casa, impecável, cheia de fotos da família, incluindo um retrato grande da mulher, falecida no ano passado. Os únicos sinais de seu passado são alguns livros e revistas, no estúdio ao lado, dedicados à história da guerra.

E completa dizendo que, na época, não entendia nada de física nuclear, água pesada ou a corrida para fabricação da bomba; só sabia que a Grã-Bretanha tinha perdido quase 40 homens em uma tentativa desastrada, em 1942, de sabotar a usina da Norsk Hydro, mas não tinha a mínima ideia do motivo de tanto empenho para desativar uma instalação remota nas montanhas cujo único produto, pelo que sabia, era fertilizante.

“A primeira vez que ouvi falar de bomba atômica e água pesada foi depois do que os norte-americanos fizeram em Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Aí começamos a entender o porquê da nossa missão – e que, se ela tivesse falhado, Londres poderia ter tido o mesmo fim que as cidades japonesas. Essa percepção tardia do risco que corremos me deu uma satisfação tremenda”, confessa.

Planos adiados

Há tempos os historiadores discutem até que ponto Hitler chegou perto de desenvolver armas nucleares. Um alemão alegou, em um livro controverso de 2005, que os nazistas chegaram a conduzir vários testes nucleares em 1944-45, mas a visão aceita mais amplamente é a de que o programa de Hitler, que teve início muito antes do Projeto Manhattan, falhou miseravelmente por causa da ciência inferior e dos sabotadores excepcionais que agiram contra ele.

De fato, foi afetado pela fuga e assassinato de cientistas judeus, mas sofreu mais danos por causa da decisão do físico Werner Heisenberg de usar água pesada, ou óxido de deutério, em vez de grafite como moderador na produção de urânio enriquecido – pois o material não só é menos eficaz, como muito mais difícil de obter em quantidades suficientemente grandes, forçando os nazistas a se tornarem dependentes do fornecimento constante da norueguesa Norsk Hydro.

De qualquer forma, o ataque de Ronneberg apenas retardou o sonho da bomba, em vez de destrui-lo de vez. Os nazistas não perderam tempo em reconstruir as instalações de Vemork, acarretando uma série de bombardeios por parte da Força Aérea norte-americana – que, por sinal, irritou até os noruegueses, anti-nazistas, dado o grande número de vítimas civis que fez.

Os alemães então tentaram levar todo o restante do suplemento de água pesada na Noruega de volta para seu país, mas a iniciativa falhou quando os sabotadores noruegueses, liderados por um dos membros da equipe de Ronneberg, Knut Haukelid, explodiu a balsa que continha a carga preciosa.

História esquecida

Embora há muito reconhecidas pelos estrangeiros, especialmente os cineastas britânicos, as ações de Ronneberg e os outros nove noruegueses envolvidos no projeto de destruição do projeto nuclear nazista só se tornaram amplamente conhecidas na Noruega este ano, quando a NRK, canal de TV estatal, exibiu “The Heavy Water War”, uma série em seis capítulos que virou sensação nacional.

A estátua de Ronneberg foi só erguida na frente da Prefeitura de Alesund no ano passado, para marcar seu 95º aniversário.

Gravada na base está a mensagem: “A paz e a liberdade não podem ser dadas como certas” que, segundo Ronneberg, há muito tempo é ignorada por muitos na Noruega, onde as lembranças dolorosas da colaboração com os nazistas do líder Vidkun Quisling e seu regime fascista acabaram com qualquer entusiasmo de se ir muito a fundo no passado.

Ele considera “incrível” o fato de que os executivos da Norsk Hydro, muitos dos quais trabalharam diretamente com os nazistas, nunca terem sido julgados por traição. A questão ainda é tão delicada para a empresa que sobreviveu à guerra para se tornar um pilar da economia norueguesa que a minissérie alterou os nomes dos diretores que colaboraram com Hitler.

Jornalista e administrador do canal de TV durante a maior parte de sua carreira pós-guerra, Ronneberg durante décadas evitou falar publicamente sobre a missão de 1943, mas, com medo de que os mais jovens desconhecessem o conflito, começou a se abrir, nos anos 1970, e desde então dá palestras em escolas com frequência.

“Fala-se muito em ‘que nunca aconteça de novo’, mas fica difícil se não lembrarmos o que ocorreu naquela época”, diz Ronneberg, que tem três filhos, mas nenhum seguiu a carreira militar. E acrescenta: “Recordar o que houve vai ficar cada vez mais difícil, por causa da morte do pessoal. O desafio mais difícil daqui para frente vai ser interessar as pessoas em história quando praticamente as testemunhas já morreram todas.”

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