Nesta cidade, ponto de reunião para Hitler, fica a maior construção legada pelos nazistas, um fardo que só faz crescer com o tempo.
Primeiro vem o próprio tamanho físico: uma área para desfile maior do que 12 campos de futebol. A grande rua, com quase dois quilômetros e meio de extensão, sem estruturas dos dois lados – uma Via Ápia moderna onde as tropas de assalto desfilavam entre a velha Nuremberg de Albrecht Durer e os comícios idolatrando o Führer.
E também temos sua história problemática e a questão mais confusa do que fazer com aquilo. “Não são simples monumentos porque eles simbolizam uma época que só podemos desejar que nunca tivesse ocorrido”, disse Mathias Pfeil, curador-chefe de sítios históricos na Baviera.
Enquanto a Alemanha tem de lidar com a imigração em massa e golpes à economia, como o escândalo da Volkswagen, e ao seu orgulho, como as alegações de que teria pagado suborno para garantir a organização da Copa do Mundo de 2006, o país continua enfrentando vestígios de seu passado problemático. Em poucos lugares essas questões são mais vívidas do que em Nuremberg.
Será que o dinheiro público deve ser gasto na preservação desses locais decadentes? Uma deterioração controlada é uma opção para qualquer coisa ligada aos nazistas? Ou será que Hitler e seu arquiteto, Albert Speer, prenderam as gerações futuras em um pacto diabólico que leva os alemães não apenas a ensinar a história do Reich de mil anos que os nazistas proclamaram aqui, mas também a adaptá-lo a cada nova era?
Várias dezenas de especialistas – e alguns cidadãos curiosos – se reuniram durante um fim de semana recente para debater tais questões no fórum “Preservar. Para quê?”.
O fórum deu início a várias semanas de eventos que pretendem provocar uma discussão na cidade inteira antes de uma decisão no ano que vem quanto a expandir ou não os sinais e indicadores espalhados pela área de 10,4 quilômetros quadrados.
Os participantes também debateram se e como utilizar aplicativos e outras técnicas modernas para conjurar o universo nazista para a geração presente e as futuras sem testemunhas a consultar.
O fórum contou com palestrantes como o prefeito da cidade, Ulrich Maly, para quem havia um dever claro de garantir que alemães e turistas estrangeiros pudessem começar a descobrir o que transcorreu aqui.
Por exemplo, a tribunal Zeppelin, que está desmoronando, mas ainda é imponente, ou a tribuna principal, onde o Führer e seus asseclas se embriagavam com a adoração coreografada das massas reunidas abaixo, são os únicos púlpitos sobreviventes onde Hitler falou.
Parteitagsgelande
Um dos eventos ligados ao fórum é uma exposição que descreve o Parteitagsgelande, onde os congressos do partido eram realizados, desde que tropas norte-americanas chegaram ali em 1945 e explodiram a imponente águia de pedra e a suástica acima da tribuna Zeppelin.
Desde aquele golpe decisivo para apagar um símbolo nazista poderoso, o local tem sido muitas coisas a muitas pessoas. Em 1955, o evangelista Billy Graham pregou e reuniu milhares. Os sudetos alemães, grupo de etnia alemã expulso em 1945 de suas terras ancestrais no leste, se reuniram aqui também naquele ano.
Segundo Alexander Schmidt, curador da exposição, a reunião agora parece e soa como um encontro nazista moderno.
Em 1978, Bob Dylan fez um concerto famoso, tocando “Masters of War” e comentando: “Que prazer é cantar neste lugar”. Em 1995, Billy Joel e seu meio-irmão, Alexander, musicista clássico, se apresentaram aqui, homenageando seu pai e avô, que vieram de Nuremberg e fugiram dos nazistas.
Schmidt, historiador do museu aberto aqui em 2001, mostrou fotografias de um famoso documentário alemão da década de 1960: “Brutalidade em Pedra”. “Essas construções não são inofensivas. Elas têm a ver com os nazistas”, ele enfatizou.
Ulrich Herbert, historiador e professor da Universidade Albert Ludwigs, em Freiburg, afirmou que o local era importante não somente porque “é onde se pode compreender como os nazistas tiveram êxito em conquistar as pessoas”.
Foi aqui, ele observou, que o partido apostou sua reivindicação de poder absoluto “com uma produção intimidante que glorificava um culto ao Führer”.
Essa “produção intimidante” foi registrada e em parte fabricada por Leni Riefenstahl em seu documentário de 1935, “O Triunfo da Vontade”, filmado aqui no congresso do partido nazista do ano anterior.
Sua glorificação de Hitler – desde a abertura quando ele voa pelas nuvens, descendo em Nuremberg como um deus vindo dos céus – não mencionava características agora observadas nos museus da cidade: os miseráveis encharcados de cerveja na área de desfile e pela cidade e as leis antissemitas que Hitler assinou aqui durante o congresso do partido de 1935 e que, portanto, traz o nome de Nuremberg.
E, naturalmente, Riefenstahl nem imaginava que a justiça seria aplicada aqui, nos tribunais de guerra de Nuremberg, iniciados no final de 1945, envolvendo homens como Hermann Goering, o vice de Hitler.
Legado e nova geração
A sala de tribunal 600, onde os julgamentos aconteceram, agora integra outro museu, do outro lado da cidade. Exibindo entre outros tesouros as declarações do promotor norte-americano, juiz Robert H. Jackson, o museu mostra a conexão com os atuais tribunais da justiça internacional em Haia, Holanda.
Cerca de 250 mil pessoas, metade delas estrangeiras, agora visitam anualmente o museu no local dos congressos do partido. Adolescentes do norte da Baviera fazem visitas obrigatórias com suas escolas, vivenciando o que Herbert chama de “a peculiaridade alemã” de descobrir e assumir responsabilidade pelo passado nazista, o que torna ser alemão “diferente de ser suíço”.
O nível de modernidade dos monumentos e museus foi um dos temas de discussão acalorada entre os acadêmicos. Um historiador britânico, Neil Gregor, da Universidade de Southampton, Inglaterra, que tem registrado a Nuremberg nazista, argumentou com maior veemência a defesa de temas contemporâneos, tais como a questão dos refugiados, e em tornar o debate mais multiétnico.
Outros queriam foco único no Terceiro Reich.
Moradores de Nuremberg com menos de 25 anos, que cresceram em uma Alemanha unificada sem lembrança dos soldados americanos que foram embora daqui em 1994, raramente têm o mesmo interesse ou sensibilidade pelas estruturas nazistas que seus pais, disse Michael Husarek, pais de seis filhos que é subeditor do jornal local “Nurnberger Nachrichten”.
“Para os jovens, não há os mesmos medos de contato com, por exemplo, a área do desfile. Isso sempre foi parte de suas vidas.”
Em um sábado recente, jovens locais jogavam hóquei nos degraus da tribuna, enquanto turistas estrangeiros admiraram a tribuna de Hitler. Rock era ouvido no último volume.
Durante cinco décadas, os norte-americanos limitaram o acesso ao Campo do Soldado, as instalações esportivas utilizadas pelos militares dos EUA abaixo da tribuna. Para Schmidt, o curador, os norte-americanos foram embora, mas a equipe de futebol americano Nuremberg Rams tem sede e treina aqui.
“E eles devem ficar”, acrescentou Schmidt. “Imagine só o que o Führer diria. E se ele não gostaria, então deve ser uma boa coisa.”