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Nos primeiros minutos de "Corações de Ferro", do roteirista e diretor David Ayer, que mostra soldados americanos se esfalfando na Europa nos últimos dias da Segunda, Brad Pitt, na pele do sargento Don Collier, chamado Wardaddy, enterra uma faca atrás do olho de um tenente alemão. "Perfurando o crânio com um ESTALO" é como o roteiro de Ayer descreve a ação. A seguir, Brad Pitt, nosso mocinho, limpa calmamente a lâmina no uniforme do morto. A "Boa Guerra" essa não é.

David Ayer, Brad Pitt e um grupo de produtores estão prestes a exibir o que a cultura popular raramente vê, isto é, um retrato autêntico e implacável dos extremos a que as tropas aliadas que entraram na Alemanha, no início de 1945, se submeteram e infligiram. "Bastardos Inglórios", de Quentin Tarantino, também estrelado por Brad Pitt, foi brutal, mas surreal; os primeiros vinte minutos de "O Resgate do Soldado Ryan", de Steven Spielberg, chegou bem mais perto do que Ayer chama de "verdade de campo" da guerra, mas muito pouco da reconstituição da carnificina ocorrida na Normandia deu pistas daquilo que alguns soldados americanos fariam menos de um ano depois, na investida final pela vitória – executar prisioneiros e matar crianças armadas.

Ayer, roteirista de estúdio, ("Dia de Treinamento") e diretor de filmes independentes ("Marcados para Morrer"), matutou durante anos sobre o roteiro de "Corações de Ferro", mas acabou escrevendo em um ímpeto, há cerca de um ano e meio. "Acabou saindo meio que de sopetão", resume ele. O filme resultante, que custou cerca de US$ 80 milhões e será lançado mundialmente a partir de meados de outubro, reflete uma jornada pessoal e uma correção dos registros da cultura pop. No plano pessoal, "Corações de Ferro" pretende decifrar a psicologia dos familiares mais velhos de Ayer, que lutaram, mas quase nunca tocaram no assunto. "Após analisar a Segunda Guerra Mundial, pude identificar aquela família que conheci, mas o que eles vivenciaram foi realmente incompreensível para mim."

O momento também parecia apropriado para lançar um olhar honesto àqueles que lutaram e morreram em encontros ferozes, mesmo que a rendição alemã fosse iminente. "E aqui há muitos paralelos com o momento atual", diz Ayer, referindo-se aos soldados que enfrentaram a morte no Afeganistão, mesmo agora que a missão americana ali esteja preste a terminar. As baixas ocorridas com tanques americanos durante a guerra na Europa foram horrendas. A Terceira Divisão Blindada chegou à Normandia com tanques médios M4 Sherman, principal veículo do Exército – mas 648 unidades foram destruídas e substituídas por outras 700 que, mesmo depois de restauradas, continuaram a ser atingidas.

A blindagem era muito fina e propensa a se incendiar mesmo se atingida por uma arma de mão como a panzerfaust. As equipes acabavam incineradas e geralmente eram dadas como desaparecidas porque não havia restos mortais. Os comandantes, de cima das torres de tiro, muitas vezes eram baleados na cabeça. "Henry Ford fez o Sherman, Ferdinand Porsche fez o Tiger", comentou sobre o tanque alemão Bill Block, cuja produtora, a QED International, montou e financiou "Corações de Ferro". Muitos tanqueiros, confiantes na força do Sherman após o treinamento, só descobriram esses problemas durante o combate. "Vendo as perdas contínuas percebi que as nossas forças blindadas foram vítimas de uma grande enganação", escreveu Belton Y. Cooper, veterano de guerra, no livro "Death Traps".

Na história de David Ayer, a equipe do blindado Fury começa lutando na África, segue para a Normandia e, por fim, termina na Alemanha. Exaustos e preocupados, seus integrantes sabem que o fim da guerra está próximo, mas não têm ideia de quando isso vai acontecer. Nas primeiras cenas os homens aparecem se preparando para retirar os restos mortais de um cara que perdeu a cabeça do assento de atirador. "Fiz questão de não deixá-lo vivo", Brad Pitt murmura. Muitas das atitudes de Wardaddy podem chocar aqueles que viram o comportamento violento dos soldados americanos nos filmes sobre a Guerra do Vietnã, como "Apocalypse Now", mas raramente testemunharam a brutalidade dos heróis da Segunda Guerra. Ao longo das filmagens, Ayer, cujo avô estava servindo em um submarino em Pearl Harbor na época do fatídico ataque e cujo tio fez várias missões pilotando um B-17 na Europa, descobriu o que aqueles que fizeram um estudo da chamada "Melhor Geração" sabiam: que os soldados americanos não eram santos. "Foi uma guerra longa e brutal, em um nível íntimo, pessoal. Vários veteranos que entrevistei mencionaram um comportamento do qual não se orgulhavam, mas tampouco tentaram se justificar", comentou Tom Brokaw em seu livro.

Com "Corações de Ferro", Ayer força os espectadores a um debate franco sobre a relação entre filmes e a "verdade de campo", baseados nos heróis-tanqueiros. "No fim das contas, eles limpavam o sangue, davam uma pintada na lataria e reuniam uma meia dúzia de cozinheiros e atendentes e saíam com o tanque de novo", conclui o diretor.

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