ï»¿É engraçado notar que, assim que a França recebe boas notícias, o resto do mundo reage como um médico pessimista. A outorga recente de dois prêmios Nobel a franceses Patrick Modiano por literatura e Jean Tirole por economia deu início a mais uma rodada de suposições nefastas.
A França está em seu leito de morte? Seu declínio é irreversível? Para quem acha que chegou a hora de administrar a dose letal derradeira a este velho país europeu, vale avisar que a situação é bem mais complexa.
Os detalhes da crise na França são amplamente conhecidos e abarcam problemas graves.
Nosso modelo social e econômico funcionou às mil maravilhas entre 1945 e 1975, anos de reconstrução e prosperidade. Nessa época, a França era como a Suécia, com a vantagem de ter bons vinhos. O Estado de bem-estar social francês foi um dos mais generosos do mundo. Ondas de imigrantes, sobretudo do norte da África, foram gradualmente integradas em uma economia próspera. Para o resto do mundo, a grandeza francesa era personificada pelo general De Gaulle. A França se firmou como uma potência nuclear, inventou o avião supersônico Concorde e apresentava um Orçamento equilibrado todos os anos. Essa era a França da minha infância.
Nos últimos 30 anos, porém, a situação vem se deteriorando. A França passou a gastar mais do que podia. Os gastos públicos com programas sociais aumentaram drasticamente, e recorrer a empréstimos para bancar tudo isso endividou profundamente o país. O pacto da República com seus cidadãos deixou de funcionar bem, principalmente nos subúrbios, cuja população de imigrantes se sente rejeitada e disposta a ser recrutada por fundamentalistas islâmicos. Os franceses têm ciúme da Alemanha, sua inimiga pouco tempo atrás, que aponta prontamente os êxitos de seu modelo econômico.
Muitos franceses esperavam que François Hollande empreendesse as reformas necessárias no país. Ele era um homem com forte preparo econômico, um socialista cinquentão que poderia incorporar uma espécie de modernismo progressista. Todavia, o presidente Hollande não se livrou dos dogmas de seu partido um dos últimos movimentos políticos do mundo que sentem nostalgia da visão de mundo marxista.
Com mais impostos e subvenções públicas, o Estado protetor tornou-se um Estado voraz, que confisca e esbanja os recursos do país. Tendo perdido seu New Deal, a esquerda francesa continua promovendo uma relação fetal com o mundo real: a vida de um cidadão é como a de um embrião aninhado em uma mãe bondosa, o Estado, que lhe fornece uma dieta de subsídios pelo cordão umbilical. Continuamos aguardando o momento em que a criança enfrentará o mundo.
Apesar de tudo isso, para a maioria de seus cidadãos, ainda é desejável viver na França. O país tem uma das taxas de natalidade mais altas da Europa, um sinal de confiança no futuro. Manter a posição de principal destino turístico do mundo reflete o apelo de um certo refinamento "à la française".
Nas últimas semanas, a cultura francesa teve outros triunfos além do prêmio Nobel para Modiano. O magnífico Museu Picasso acabou de ser reaberto em Paris, evocando uma época não muito distante em que artistas do mundo inteiro, incluindo Foujita, Hemingway, Neruda e Chagall, queriam morar na França. O imperador francês do alto luxo, Bernard Arnault, inaugurou sua Fundação Louis Vuitton, um centro impressionante de cultura contemporânea projetado por Frank Gehry.
Um aspecto raramente sublinhado da crise francesa é a autoimagem excessivamente sombria da França, segundo propaga a mídia do país. Tenho a impressão de que essa visão complacentemente consternada da França é em grande parte uma construção jornalística que surgiu durante a gestão de Nicolas Sarkozy.
Como a maioria dos jornalistas franceses é de esquerda, eles deixaram de atacar o ex-presidente para adotar um tom pessimista a princípio, pois sabem que notícias apocalípticas aumentam a vendagem dos jornais. Em consequência, o presidente Hollande é caçado com cartuchos feitos para atingir seu antecessor.
Essa compulsão despertou um eco mimético na imprensa internacional. Todavia, o que os jornais daqui e do exterior escrevem sobre a França não condiz com as experiências ou atitudes da maioria das pessoas que vivem no país. Meus compatriotas são muito mais desembaraçados, corajosos e elegantes do que o que é escrito sobre eles. A maioria dos visitantes estrangeiros não sai da França com lembranças de uma estada em uma nação-fantasma.
Portanto, o tema em questão não é meramente a crise francesa, mas a construção dramatizada pela mídia de uma novela horripilante visando vender mais exemplares. A casta jornalística não teme estigmatizar políticos que ela detesta e inveja, assim exercendo poder sobre a opinião pública. "Enfatize o lado negativo", parece ser seu mantra.
No final das contas, tudo isso depende da perspectiva adotada. Se você acha que a vida se resume a ganhos financeiros, certamente a França não é o melhor país para fazer fortuna.
Mas, para quem considera a vida em termos de bom gosto, a França ainda é uma exceção enigmática, talvez até irritante, para o resto do mundo.
Marc Lambron é escritor e membro da Academia Francesa.