No Prince Regent Charles Hospital, uma instalação que remete a dias melhores nesse país no centro da África, Armel Manirambona está em um leito com uma bala na barriga.
“Estávamos correndo na rua, e eu tomei um tiro”, disse Manirambona, de 27 anos, que trabalha com tecnologia da informação e vive na capital.
Manirambona é uma das dezenas de pessoas que foram feridas enquanto protestavam contra o Presidente Pierre Nkurunziza, cujo exercício de um terceiro mandato levou o país a uma crise. Os protestos foram enfrentados duramente pelas forças de segurança, e pelo menos 20 pessoas foram mortas.
O tumulto acontece porque a constituição do país diz que o mandato de cinco anos do presidente só pode ser renovado uma única vez. afirma que seu primeiro mandato não deve entrar nessa conta, pois ele foi inicialmente eleito em 2005 pelo Parlamento, não pelos eleitores.
Depois de quase um mês de protestos diários e o fracasso de uma tentativa de golpe de estado em 14 de maio, a crise começou a cobrar um preço alto sobre a economia e o cotidiano do país, e a situação parece estar piorando.
O Burundi, uma das nações mais pobres do mundo, depende do auxílio externo que chega a ser a metade de seu orçamento nacional. A Bélgica, o maior doador do país que já foi sua colônia, alertou Nkurunziza que cortaria toda a ajuda se ele concorresse nas eleições de 26 de junho.
A moeda nacional, o franco burundinês, vem desvalorizando frente ao dólar, levando muitos burundineses a se apressarem para trocá-la por moeda forte antes que ela enfraqueça ainda mais. Analistas dizem que o sistema de coleta de impostos do país parou de funcionar, comprometendo a subsistência de dezenas de milhares de funcionários do governo.
“O governo não será capaz de pagar salários. Esperamos um colapso econômico em um mês”, disse Gilbert Niyongabo, professor de Economia da Universidade de Burundi.
A agitação desestruturou os negócios em Bujumbura. Recentemente, em um supermercado normalmente movimentado, o La Faveur, funcionários esperavam por compradores que não vinham, enquanto os alimentos estragavam nas prateleiras da loja.
“Não temos mais clientes e os funcionários chegam tarde porque não há transporte público”, disse a caixa Joselyne Niyondiko, 25 anos.
“E a maioria aqui ainda não recebeu o salário de abril”, acrescentou Stone Siniremera, de 23, outro funcionário.
Muitos moradores dos bairros onde as manifestações são mais intensas são impedidos de ir para o trabalho pelos manifestantes, que dizem que a vida não pode continuar normalmente. “Nós apoiamos os protestos, mas nossos patrões não vão entender”, disse Hakizimana Fides, de 35 anos.
Grupos humanitários internacionais tentam ajudar. Manirambona, o manifestante ferido, está recebendo ajuda financeira para seu tratamento médico.
A organização Médicos sem Fronteiras “está bancando os honorários hospitalares em quatro hospitais públicos”, disse Bruno Duchene, o chefe da missão do grupo no Burundi.
Muitas pessoas aqui temem que o pior esteja por vir, especialmente se a agitação assumir uma dimensão étnica.
As Nações Unidas estimam que pelo menos 100 mil refugiados burundineses fugiram para países vizinhos. Recentemente, no Escritório de Imigração do Burundi, centenas de pessoas chegavam bem cedo na esperança de obter vistos de viagem e passaportes. “Quero ir para Ruanda. Volto depois que essa situação acabar”, disse Clementine Niyonkuru, de 22 anos.