A primeira coisa que Manuel Lincovil faz é examinar a urina. Ele é um machi, ou líder espiritual e curandeiro do povo indígena Mapuche, e observa o líquido assentar para descobrir as experiências, doenças e tristezas de seu paciente.
“Eu examino a amostra de urina e depois as linhas da mão, e conto-lhes suas vidas inteiras”, disse Lincovil, sentado em frente a uma cabana Mapuche tradicional chamada ruka. Então, ele vai mais fundo na história pessoal do seu paciente antes de prescrever uma dose de infusão de ervas variadas.
Dentro da ruka, várias mulheres Mapuche preparam as misturas de ervas com cerca de 150 variedades de plantas, raízes e cascas de árvores. Cada mistura é distinta, feita para as necessidades individuais do paciente, de acordo com Lincovil, de 72 anos, que duas vezes por semana vê dezenas de pacientes na ruka.
“Isso não é medicina alternativa ou complementar, é um outro tipo de medicina”, ressaltou ele.
Essa ruka não fica em uma pitoresca montanha no sul do Chile. Ela está no quintal de uma clínica de saúde pública movimentada em La Florida, bairro da classe trabalhadora da capital, Santiago. Enquanto Lincovil lê a mão do paciente, médicos e enfermeiros no Centro de Saúde da Família Los Castaños fornecem cuidados de saúde em estilo ocidental.
Na década de 90, o governo do Chile tomou medidas significativas para deixar seu sistema público de saúde mais abrangente, introduzindo cuidados de saúde interculturais em áreas com populações indígenas.
Porém, em uma reviravolta incomum aqui em Santiago, esses programas acabaram atendendo a uma população predominantemente não indígena, de acordo com pacientes e curandeiros Mapuches. Hoje, a maioria dos pacientes que visita Lincovil na ruka vem da comunidade não Mapuche, ele disse. Eles são chilenos em busca de uma alternativa ao sistema público de saúde ocidental, conhecido por sua falta de recursos e especialistas.
Os motivos pelos quais um número crescente de pacientes não indígenas buscavam esse tipo de cuidado médico variam. Para chilenos como Javier Cáceres, 70 anos, que teve um tumor removido de um dos seus rins e que começou a ver um machi no final de maio, os cuidados indígenas oferecem uma alternativa ao sistema que não estava funcionando para ele.
“A medicina convencional não tem mais nada a me oferecer. Eu estava procurando uma alternativa e a medicina natural nunca é uma coisa má.”
A medicina mapuche combina espiritualidade, rituais, natureza e conhecimento ancestral, e se destina a abordar a raiz de uma doença, não apenas os sintomas. Alguns pacientes e cuidadores dizem que as conversas com o machi frequentemente são terapêuticas.
“As pessoas ficam doentes porque estão pagando o preço por algum mal que fizeram; é seu espírito que está afetando sua saúde”, explicou Samuel Melinao, 45 anos, chefe Mapuche, ou lonko, da comunidade de Kallfulikan, que controla o centro de saúde em La Florida.
“Algumas pessoas saem daqui em lágrimas, e ninguém nunca vai saber por quê. Você não vê isso na medicina convencional.”